Senadora que defende a NSA irrita-se com escutas a Merkel

Comissão de Serviços Secretos do Senado reconhece que não tem controlo total sobre as actividades da NSA e promete "profunda reavaliação" das regras.

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A Casa Branca está a reavaliar o programa de escutas a líderes de países aliados Saul LOEB/AFP

A senadora norte-americana Dianne Feinstein, até agora uma das maiores defensoras dos programas da Agência de Segurança Nacional (NSA), está furiosa com as revelações sobre as escutas telefónicas à chanceler Angela Merkel. Como líder da Comissão de Serviços Secretos do Senado, Feinstein afirma que a NSA tem agido à margem da Casa Branca e do Congresso e promete uma "profunda reavaliação" dos programas de espionagem.

"Ao contrário da recolha de registos telefónicos ao abrigo de uma ordem judicial, tornou-se evidente para mim que algumas actividades de vigilância são mantidas há mais de uma década e que a Comissão de Serviços Secretos do Senado não foi informada satisfatoriamente. Por isso, o nosso mecanismo de controlo precisa de ser aumentado e reforçado", lê-se num comunicado escrito pela senadora do Partido Democrata eleita pelo estado da Califórnia.

Dianne Feinstein tem sido um dos principais apoios da Casa Branca no Congresso contra as acusações de violação de privacidade de milhões de cidadãos em todo o mundo – no final de Julho, liderou a oposição a uma emenda apresentada pelo republicano Justin Amash na Câmara dos Representantes para limitar os poderes da NSA, que viria a ser reprovada por apenas 12 votos (217 contra 205).

Crítica da divulgação dos documentos obtidos pelo antigo analista informático Edward Snowden, a senadora garantiu, em Agosto, que o sistema de controlo da NSA funciona bem. "É claro que qualquer caso de inconformidade é inaceitável, mas este pequeno número de casos não muda a minha visão de que a NSA toma medidas significativas para prevenir quaisquer abusos, e que tem um sistema substancial de controlo", disse, em resposta às revelações do Wall Street Journal de que alguns analistas usaram os programas da NSA para espiarem pessoas com quem mantinham ou tinham mantido relacionamentos amorosos – um comportamento conhecido como LOVEINT.

Angela Merkel fez a diferença
A mudança de posição da influente senadora norte-americana surgiu após a revelação, na última semana, da existência de um programa de escutas a chefes de Estado e de Governo de países aliados dos EUA.

"Em relação à recolha pela NSA de informação sobre líderes de aliados dos EUA – incluindo França, Espanha, México e Alemanha –, deixem-me declarar sem equívocos: sou totalmente contra", sublinha Dianne Feinstein no comunicado, antes de apresentar os seus argumentos: "A não ser que os Estados Unidos estejam envolvidos em actividades hostis com um país, ou que estejamos perante um caso de emergência para este tipo de vigilância, os Estados Unidos não devem registar chamadas telefónicas ou emails de Presidentes e primeiros-ministros de países amigos."

Segundo a presidente da Comissão de Serviços Secretos do Senado, a NSA tem escutado líderes de países aliados sem o conhecimento das instituições que, por lei, devem supervisionar as suas actividades: o Congresso, mas também o próprio Presidente dos EUA.

"Pelo que sei, o Presidente Obama não sabia que as comunicações da chanceler Angela Merkel estavam a ser registadas desde 2002. Isso é um grande problema. (…) O Congresso precisa de saber exactamente o que é que a nossa comunidade de serviços secretos anda a fazer. Para isso, a comissão [do Senado] vai dar início a uma profunda reavaliação dos programas de recolha de informações", anunciou Dianne Feinstein.

Mas no último parágrafo do comunicado da senadora do Partido Democrata surge uma frase que a Administração Obama se apressou a corrigir: "A Casa Branca informou-me que a recolha [de informação] sobre os nossos aliados não vai prosseguir, o que eu apoio."

Não será bem assim, avançam nesta terça-feira os jornais The Washington Post e The New York Times. Apesar de a Casa Branca avançar que já fez "algumas alterações" aos programas de espionagem – que nenhuma das fontes dos jornais detalha –, a reavaliação limita-se à espionagem de líderes de países aliados, e não a todos os cidadãos.

Caitlin M. Hayden, porta-voz do Conselho Nacional de Segurança – o principal órgão de consulta do Presidente dos EUA sobre segurança nacional –, disse apenas que a reavaliação do programa de escutas estará terminada em Dezembro.

De acordo com as fontes contactadas pelo The New York Times, o Governo dos EUA continuará a reservar-se o direito de interceptar comunicações em países aliados se estiverem em causa actividades criminosas, terrorismo ou proliferação de armas não-convencionais. Para além disso, o eventual cancelamento do programa de escutas a líderes de países aliados não evitará que a NSA seja autorizada a escutar as comunicações de chefes de Estado e de Governo que os EUA passem a considerar como hostis ou inimigos.

Obama só soube das escutas a Merkel no Verão
O caso das escutas a Angela Merkel foi mesmo o mais grave, até agora, de todo o processo de revelações sobre a espionagem norte-americana, iniciado em Junho pelo antigo analista informático Edward Snowden.

Nos últimos quatro meses, vários países, entre os quais França, Alemanha, Brasil e México, ficaram a saber que a NSA interceptou as comunicações de milhões de cidadãos e que espiou empresas e chefes de Estado como os Presidentes do Brasil e do México, Dilma Rousseff e Enrique Peña Nieto. Todos estes casos causaram embaraços às autoridades norte-americanas, mas o caso de Angela Merkel assumiu contornos mais problemáticos para a Casa Branca.

Tal como a própria senadora Dianne Feinstein reconhece no seu comunicado, a chanceler alemã tinha o telefone sob escuta há mais de uma década, pelo menos desde 2002 – um programa que terá sido cancelada depois das primeiras revelações dos documentos de Edward Snowden, no início de Junho.

A Casa Branca e a comunidade de serviços secretos têm passado os últimos dias a transmitir a ideia de que Barack Obama não sabia que a NSA espiava líderes de países aliados – o programa terá sido revelado ao Presidente no Verão, quando se tornou evidente que a informação contida nos documentos obtidos por Edward Snowden iria ser tornada pública mais cedo ou mais tarde.

Uma fonte da Casa Branca, citada sob anonimato, disse ao The Washington Post que Obama não sabia da existência de um programa específico de escutas a líderes de países aliados, mas deu a entender que o Presidente dos EUA devia saber que os serviços secretos têm ordens para fazer tudo o que puderem fazer. "O trabalho deles [dos serviços secretos] é obter o maior volume de informação possível para entregar a quem toma decisões políticas. Eles estão mais habituados à situação contrária – a serem criticados por não saberem o suficiente. Esta dinâmica é uma novidade para eles."

À imagem da senadora Dianne Feinstein, também o Presidente Barack Obama deu indicações de que os serviços secretos norte-americanos estão a escapar ao controlo da liderança política.

"Nós damos-lhes instruções políticas. Mas temos visto, nos últimos anos, que as suas capacidades têm continuado a desenvolver-se e a expandir-se, e é por isso que dei início a uma reavaliação para garantir que o facto de eles conseguirem fazer algo não significa que devam estar a fazê-lo", disse Obama numa entrevista à estação ABC News.
 
 
 
 

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