Desde que Erdogan fechou o Twitter que os turcos não param de "tuitar"

O Presidente Gül foi um dos primeiros a violar a decisão "tuitando" que o que o primeiro-ministro fez é “inaceitável”.

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Erdogan declarou guerra às redes sociais, muito utilizadas pela oposição, que exige a sua demissão BULENT KILIC/AFP

Recep Erdogan fechou o Twitter à meia-noite de quinta-feira. Desde então, os turcos não param de "tuitar" – o primeiro-ministro não previu que os cidadãos continuassem a publicar na rede social através de mensagens de telemóvel. O jornal americano The Washington Post diz mesmo que a hashtag #TwitterisblockedinTurkey “explodiu” na Turquia.

Nas mensagens, muitos turcos mostram-se irritados com o primeiro-ministro. Mas uma grande quantidade deles faz troça de Erdogan (há posts com cartoons, um deles mostra o pássaro azul do Twitter com a cara de Erdogan) que declarou guerra às redes sociais por motivos mal explicados. As três ordens de tribunal que aparecem aos que tentam abrir o Twitter turco não dão pistas. Erdogan foi muito agressivo nas palavras, mas muito vago nos motivos.

“Vamos acabar com o Twitter”, disse horas antes do bloqueio entrar em vigor. Outras frases: “Não permitiremos que as pessoas sejam devoradas pelo YouTube ou pelo Twitter ou pelo que for”, “Não importa o que a comunidade internacional diz”, “Todos vão testemunhar o poder da república turca”.
 
 
 

 

As redes sociais foram uma arma de mobilização e divulgação de ideias durante os protestos contra Erdogan e as suas políticas no ano passado. Milhares de pessoas protestaram por todo o país, um movimento que nasceu de uma queixa ambiental – em Istambul, uma parte da população revoltou-se para evitar a construção de um centro comercial no Parque Gezi, um das muitas megaconstruções que Erdogan quer deixar como legado.
 
 

 

As redes sociais têm divulgado também os escândalos de corrupção a que estão associados alguns dos membros do Governo. E o próprio Erdogan está sob suspeita, havendo gravações de chamadas telefónicas a circular precisamente nas redes sociais em que, por exemplo, o primeiro-ministro fala com o filho Bilal sobre a forma de reduzir fundos armazenados em várias casas.

Primeiro, o primeiro-ministro denunciou que as gravações eram “montagens”, depois admitiu que algumas conversas tiveram mesmo lugar – e isso provocou nova onda de indignação popular e de manifestações exigindo a sua demissão.

Alguns analistas dizem, porém, que estas razões são válidas para explicar a decisão do primeiro-ministro, mas que há uma outra que é a viragem islamista de Erdogan e do seu Governo. Já mostraram que querem controlar os meios de comunicação e limitar a liberdade de expressão. E o encerramento do Twitter a escassos dias das eleições locais – a 30 de Março – é apenas mais um passo nessa direcção, dizem.

Uma das primeiras pessoas a quebrar o silenciamento do popular site de microblogging  foi o Presidente Abdullah Gül. “Espero que esta ordem não dure”, publicou no Twitter.

O Presidente, que já foi um firme aliado do primeiro-ministro – é co-fundador do AKP, o partido de Erdogan –, criou alguma distância quando o primeiro-ministro começou a avançar, e rapidamente, com uma agenda islamista. Mas poucas vezes criticou Erdogan publicamente. Gül, explica o jornal britânico The Guardian, foi durante algum tempo a voz que equilibrava os ímpetos mais radicais e agressivos de Erdogan – como, aliás, se viu na crise aberta com os protestos do Parque Gezi, com o Presidente a fazer apelos à não-utilização da força e ao diálogo. Agora, Gül não hesitou em entrar em conflito com o primeiro-ministro, dizendo que o que Erdogan fez é “inaceitável”.

A oposição e a Ordem dos Advogados da Turquia já apresentaram recursos em tribunal; querem que a ordem de encerramento do Twitter seja considerada nula, por violar os direitos individuais.

Mas Erdogan não se mostra flexível a voltar com a palavra atrás. Parece estar imune aos recados internos que lhe vão sendo dados, como o de Gül. E não quer saber dos externos, como o da União Europeia – grupo a que a Turquia aspira pertencer – que já fez saber, através da Comissão para o Alargamento, que este tipo de censura não é admissível. Stefan Fuel, que é membro desta comissão, usou precisamente o Twitter para comentar: “Ser livre para comunicar e escolher os meios de o fazer é um valor fundamental da UE”.

O primeiro-ministro turco decidiu que o Twitter é “a pior ameaça à sociedade”. Até mandar encerrar a rede social, Erdogan tinha 4,17 milhões de seguidores no Twitter e 3043 tweets, o último publicado horas antes da proibição.

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