Entrevista à administradora do PNUD: Qualidade dos líderes faz toda a diferença

O nível de liderança dos países faz uma "tremenda diferença" no desenvolvimento, afirma Helen Clark, 59 anos, administradora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Cabo Verde é um bom exemplo. Isto porque é aos governos que cabe "fixar as prioridades orçamentais" e muito do investimento é feito com dinheiro local, justifica a mulher que, entre 1999 e 2008, foi primeira-ministra trabalhista da Nova Zelândia.

Qual o objectivo da sua visita a Portugal? O que discutiu com o secretário de Estado da Cooperação?

Portugal é um bom parceiro, contribui para o orçamento do PNUD e para programas concretos em países como Moçambique, Angola e Timor e tenciona reforçar essa assistência. Vamos continuar a conversar. Está disponível para colaborar na formação de forças de segurança. Portugal está particularmente interessado em países em situação mais frágil, como a Guiné-Bissau.

Para a cimeira da FAO, em Roma, quais são as suas expectativas?

Os aspectos-chave são conseguir um maior compromisso dos Estados quanto à segurança alimentar e o reforço da assistência ao desenvolvimento na agricultura. A fome crónica é um grande problema: as estimativas da FAO indicavam 850 milhões de pessoas em 2007 e agora, com a crise alimentar e a recessão, apontam para mil milhões. É muito sério. A crise alimentar dá origem a muita instabilidade.

O que é melhor para os países em desenvolvimento, soluções como os transgénicos ou recurso a técnicas tradicionais, locais?

O que não se deve [fazer] é bloquear a ciência. Todos os agricultores querem fazer as coisas da forma o mais moderna possível. Precisam de ser apoiados com tecnologia e conhecimentos apropriados e, muito, muito importante, devem ser ajudados no armazenamento e distribuição. Há enormes quantidades de comida que se perdem porque o armazenamento é mau. Creio que as perdas são da ordem dos 40 por cento. Devemos focar-nos no apoio a associações locais de produtores, a infra-estruturas.

Faltam cinco anos para cumprir os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Está optimista? Acha que ainda podem ser alcançados? Não digo todos, mas a maior parte?

Eu diria seis anos. Estou optimista relativamente a alguns. A saúde materna está a ter muito bons resultados. O promoção da igualdade de géneros também. Quanto à redução da pobreza extrema, central no contexto de recessão é apoiar os países para que não se retroceda. Não é que haja menos pessoas com fome, mas houve progressos. Houve [também] avanços no acesso à educação básica, na redução da mortalidade infantil, na sida...

Por vezes as pessoas dizem: "É tudo terrível, não há progressos..." Não é bem assim. Claro que é preciso fazer mais, é preciso ver, país por país, aquilo em que se deve apostar. Um país pode estar bem no acesso à educação, mas menos bem na mortalidade infantil, noutro pode ser o contrário. Podem trocar-se experiências. O que faz uma tremenda diferença é o nível de liderança do país, porque [cabe] aos governos fixar as prioridades orçamentais. A maior parte do dinheiro gasto nos países em desenvolvimento não é de ajudas, é local. Honestidade, ausência de corrupção, boa governação, boa liderança, boas instituições, têm impacto na concretização dos objectivos. Olhemos, por exemplo, para Cabo Verde. Tem poucos recursos e está a caminho de atingir todos os objectivos.

Em que medida a crise afectou o desenvolvimento? Que regiões estão a sofrer mais com a crise?

África. Inicialmente, pensou-se que não afectaria muito os países em desenvolvimento, que seria uma crise do sistema financeiro ocidental, mas claro que teve efeitos globais e afectou mais as pessoas que nada tiveram a ver com a crise. Em África, a procura de produtos caiu, as exportações caíram, os orçamentos governamentais ressentiram-se. Tal como na América Latina. A Ásia deve recuperar mais depressa, com o crescimento da China, o que é bom para África, porque a China vai querer mais bens.

Em que medida as empresas, o mercado, podem contribuir para o desenvolvimento?

Todos os países desenvolvidos têm fortes economias de mercado e só há um desenvolvimento rápido com economias de mercado vigorosas. Mas [se] o mercado pode criar bem, não quer dizer que distribua bem. O que é verdadeiramente importante é o papel das políticas públicas, do Governo, que define as políticas de investimento. Por isso, o PNUD apoia o crescimento da economia de mercado, mas não se satisfaz com um crescimento do Produto Interno Bruto, se isso não tiver relação com saúde, educação, infra-estruturas, desenvolvimento humano. O mercado não faz [tudo] sozinho, são necessárias políticas públicas activas.

Habituámo-nos a sucessivos compromissos para erradicar a fome, para desenvolver as regiões pobres, mas vemos sempre os problemas a aumentar, ou novos problemas. São batalhas perdidas?

Não. Há muitos bons exemplos. A Ásia Oriental transformou-se durante a minha vida. Veja a Coreia [do Sul], que foi devastada pela guerra e se transformou na 10.ª ou 12.ª economia do mundo, a Malásia, Singapura, a Tailândia, o incrível desenvolvimento do Vietname, a China. Há muitas boas histórias.

Em África, não é fácil arranjar tantos exemplos.

Podem encontrar-se exemplos inspiradores. A viragem do Ruanda depois do genocídio, o Malawi com uma liderança forte, o Botswana com um governo estável, democrático e a conseguir resultados, o Senegal, o Gana. Há muitas boas histórias. Devemos celebrar essas boas histórias e ver como apoiamos outros casos. Não é impossível. É totalmente possível. Mas é preciso encorajar a boa liderança.

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