Entre a partilha do "wiener schnitzel" e a coragem política

"Como é que uma aldeia turca pode fazer mais pelos refugiados que os países ricos da União Europeia?"

"Como é que uma aldeia turca pode fazer mais pelos refugiados que os países ricos da União Europeia?"

Esta pergunta certeira, feita pelo dirigente de uma ONG, foi dirigida à delegação da Assembleia Parlamentar da OSCE, num encontro após a visita a um campo de refugiados, a poucos quilómetros da fronteira com a Síria, teve o efeito de um fortíssimo murro no estômago.

Custa-nos enfrentar este frio retrato da nossa desumanidade, mas a verdade é que quando a União Europeia se prepara para aprovar um programa de quotas para reinstalação de 40 mil dos cerca de 130 mil refugiados que se encontram concentrados em Itália e na Grécia, a Turquia acolhe 2 milhões de refugiados. Números de uma desproporção avassaladora.

Atravessamos uma tragédia humanitária sem precedentes, que já ultrapassou, em número de refugiados, a barreira dos 50 milhões, registada durante a II Guerra Mundial. Neste momento, estima-se em 60 milhões o número de refugiados oriundos dos diferentes conflitos armados ao redor da Europa dita civilizada e respeitadora dos direitos humanos.

Enquanto isto, a comunidade internacional lava a consciência à medida que vai dizendo que a Turquia está a fazer um bom trabalho e distribui palavras ocas de solidariedade, deixando a Itália e a Grécia sós com um problema humanitário de proporções calamitosas.

Tenho uma amiga sérvia que, numa alusão a esta postura, diz que a nossa solidariedade termina no momento em que temos que partilhar o nosso "wiener schnitzel" (prato tradicional austríaco, semelhante ao nosso bife panado). Reconheço-lhe razão e dou comigo a pensar o que nos diriam, se pudessem falar, os pais e avós desta Europa, que também experimentaram a condição de refugiados durante a II Guerra Mundial.

Poderemos continuar, sem sobressalto, a ver o Mediterrâneo, berço de civilizações, transformado numa gigantesca sepultura? Se assim acontecer o resultado será trágico para esta Europa velha e doente, a precisar de regeneração, de gente nova, de um novo futuro.

Para romper com este cerco de morte é preciso estabelecer pontes com os países de origem, promover uma efetiva política de paz e de cooperação para o desenvolvimento e desconstruir sonhos de paraísos inexistentes. É urgente rever o regulamento de Dublin, instituir uma política europeia comum de migração e asilo, harmonizar os procedimentos de controlo de fronteiras e abrir os canais legais de acesso tornando-os mais ágeis em matéria de reunificação familiar e atribuição de vistos de trabalho e de estudo. É necessário firmeza e eficácia no combate ao tráfico de seres humanos, sem pôr em risco mais vidas. É imperioso enfrentar a extrema-direita xenófoba que cavalga o descontentamento dos europeus esmagados pelo peso da crise económica.

Negar a estas crianças, mulheres e homens que estão à procura do mais básico dos direitos, o direito à vida, é negar o quadro de valores civilizacionais fundadores da identidade europeia.

O Dia Mundial do Refugiado acabará, inevitavelmente, recheado de discursos repletos de grande sensatez. Mas aquilo de que necessitamos para enfrentar esta crise humanitária, que está a pôr a nu uma não menos grave crise de solidariedade, é um bem absolutamente escasso nos nossos dias: coragem política.

Presidente da Comissão de Democracia, Direitos Humanos e Questões Humanitárias da Assembleia Parlamentar da OSCE e Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do PS

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