Entender o que é a laicidade para debater a integração e os europeus de hoje

Como todas as escolas francesas, o Liceu Francês de Lisboa passou a ter de cumprir a Carta da Laicidade em 2013. Daí nasceu a ideia de que era preciso discutir o tema, enquanto a realidade sublinhava a urgência desse debate.

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O uso de símbolos religiosos na escola, como o lenço islâmico, gera confusão e polémica em França Jean-Paul Pelissier/REUTERS

Perguntar “o que é a laicidade no século XXI na Europa” faz hoje mais sentido do que nunca. Fazer essa pergunta em Lisboa, num colóquio dedicado a pensar “Identidade(s), integração e laicidade na Europa”, também, ainda que “Portugal pareça um caso de sucesso, onde, sem que a questão seja muito teorizada, o quotidiano faz-se respeitando toda a gente”.

Ana Lopes Moreira é presidente da Associação de Antigos Alunos do Liceu Francês de Lisboa, que organiza a conferência com a colaboração do próprio Liceu, do Instituto Francês de Portugal e da embaixada francesa. Tudo começou no ano lectivo anterior, em 2013, quando o Governo francês tornou obrigatório o cumprimento da Carta da Laicidade nas escolas e “algumas cartas começaram a ser afixadas no liceu”.

Hoje, há uma em cada sala de aulas do Charles Lepierre, onde estudam mais de 1800 crianças e adolescentes, e onde Ana Lopes Moreira, bisneta do fundador da escola francesa em Portugal, passou 40 anos, 25 deles como professora. Na Carta afirma-se que a República e a escola são laicas e inscreve-se o que já era lei: “O uso de símbolos ou indumentária que manifestem ostensivamente uma pertença religiosa por parte dos alunos é proibido”.

“Começámos a perceber que era preciso debater o tema. Fomos amadurecendo a ideia e concluímos que para falar de laicidade tínhamos de falar das várias identidades e, daí, surgiu a questão da integração dessas identidades”, explica Ana Lopes Moreira.

Em Lisboa, na Fundação Calouste Gulbenkian, entre segunda e terça-feira, estarão alguns dos maiores especialistas em laicidade da França, como o filósofo Henri Peña Ruiz ou Abdennour Bidar (co-autor da Charte de la Laicité), mas também representantes das três religiões monoteístas em Portugal, investigadores nas questões de integração da Dinamarca à Turquia. E membros de diferentes comunidades em Portugal para tentar confirmar se somos mesmo um “caso de sucesso”.

Enquanto a ideia amadurecia, o mundo girava e a 7 de Janeiro houve o atentado contra o Charlie Hebdo, em Paris, três dias de caça ao homem que acabaram com a redacção do jornal satírico dizimada e 17 mortos. “Nós só pensávamos, ‘que horror, parece que tudo vem ao encontro do que tínhamos pensado’. Paris, depois a Dinamarca, agora Dallas.”

Cinco semanas depois de Paris, um dinamarquês de 22 anos matou um homem num debate organizado por um cartoonista que desenhou Maomé e outro numa sinagoga de Copenhaga. Na semana passada, dois homens atacaram um polémico concurso de caricaturas de Maomé no Texas e foram mortos pela polícia.

Entretanto, na França, a palavra laicidade voltou a ser repetida quase diariamente, por políticos, colunistas, por toda a gente. E cada vez é mais difícil perceber o que cada um quer dizer quando usa este conceito tão caro à república francesa. Em Lisboa, “eles têm falado no assunto nas aulas, mas infelizmente há pessoas que não entendem o que é a laicidade”, diz a antiga aluna e professora. “Tivemos um episódio com uma menina de 12 anos que levou uma cruzinha pequena dentro da camisa e isso foi um problema”, conta.

“Laicidade implica o respeito por todas as religiões e pelos ateus. Que todos tenham o direito à sua identidade. Não é não usar uma cruz nem, na minha opinião, não usar o lenço islâmico”, banido das escolas francesas desde 2004.

Há duas semanas, soube-se que uma adolescente de 15 anos não podia entrar na escola, na região de Ardenas, por “insistir” na sua saia, considerada pela directora “demasiado longa” e, por isso, “uma indumentária provocante”. Por causa do caso de Sarah, o Colectivo Contra a Islamofobia veio dizer que só em 2014 registou ou tentou intervir em perto de 130 casos de exclusão de alunas do secundário por causa de peças de roupa. Em causa nunca está o lenço, as alunas que o usam retiraram-no antes de entrar na escola.

Esta semana, a Assembleia Nacional vai debater uma proposta de lei do Partido Radical de Esquerda que visa proibir os sinais religiosos nas creches e nos ateliers de tempos livres privados, legislação inspirada no caso que ficou conhecido como Baby-Loup, o nome do infantário privado que despediu uma funcionária que recusava deixar de usar um lenço a cobrir-lhe os cabelos.

Casos sem fim, a mostrar como é preciso debater o que se entende por laicidade, conceito que deve gerar tolerância, ou, antes, submissão a uma lei que cada um interpreta e aplica, mesmo que isso signifique estigmatizar um grupo da população. “Religião e esfera pública: Integração ou discriminação?” é um dos debates da conferência, já esta segunda-feira, na Gulbenkian, em Lisboa.

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