Em busca do peru perdoado por Obama

No Dia de Acção de Graças, nos EUA, o Presidente perdoa um peru, havendo até uma cerimónia na Casa Branca, mas a tradição não deixa de ser poupada a críticas.

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Barack Obama, ladeado pelas filhas, perdoa o peru Reuters

O Presidente dos EUA, Barack Obama, dirige-se aos jornalistas, em frente à Casa Branca, para uma comunicação oficial. Vai abordar o acordo com o Irão? A situação na Síria? Alguma grande nomeação? O momento chega: o “perdão presidencial” do Dia de Acção de Graças já foi concedido. “O posto da presidência, a posição mais poderosa do mundo, traz consigo muitas responsabilidades incríveis e solenes. Esta não é uma delas”. A ironia de Obama descreve bem a atribuição, na quarta-feira, da “amnistia” ao peru Popcorn (Pipocas, em português), uma tradição inserida no feriado norte-americano. Mas não se pense que mesmo uma brincadeira destas passa sem polémica.

Desde 1947 que a Federação Nacional de Perus envia dois perus ao presidente. Harry Truman e Dwight Eisenhower limitaram-se simplesmente a comê-los, sem ponderar qualquer tipo de perdão. Alguns defendem que foi John F. Kennedy o primeiro a perdoar o peru que lhe foi enviado. Segundo o New York Times, a 19 de Novembro de 1963, três dias antes de ser assassinado, Kennedy enviou para trás o peru que recebeu, afirmando que era preciso “deixá-lo crescer”. Na verdade não se terá tratado de um verdadeiro perdão mas sim de uma oportunidade para a refeição se tornar mais farta.

A “mitologia” em torno do peru presidencial vai mesmo até aos tempos de Abraham Lincoln que, em 1863, poupou um peru por insistência do seu filho Tad, que se afeiçoou ao animal e ensinou-o a segui-lo pelos jardins da Casa Branca.

Ronald Reagan foi o primeiro Presidente a referir-se a um perdão para o peru do Dia de Acção de Graças, em 1987, mas tratou-se apenas de uma piada para fugir a questões mais importantes. Na época, os jornalistas questionavam o Presidente se ele iria conceder uma amnistia aos envolvidos no escândalo Irão-Contra (que envolveu a venda ilegal de armas ao Irão, facilitada por altos funcionários da Administração Reagan), ao que respondeu que teria apenas concedido perdão ao peru do jantar de Acção de Graças. Foi somente em 1989 que George H. Bush iniciou o perdão oficial ao peru do Dia de Acção de Graças, que dura até hoje.

O assunto está longe de reunir consensos entre os norte-americanos. Se há quem aprecie o momento de leveza e descontracção do Presidente, há igualmente quem encontre espaço para críticas. Os activistas dos direitos dos animais aproveitam a ocasião para chamar a atenção para as más condições dos perus criados em aviário. Outros notam que o “perdão” ao peru tem servido para retirar importância às verdadeiras amnistias e para lembrar que Obama tem sido um dos presidentes que menos perdões tem concedido. E há ainda quem ache que esta é simplesmente uma tradição estúpida.

De 80 mil, sobraram dois
Bem pode não ser o momento mais sério de um Presidente mas, nos últimos anos, o processo de selecção tornou-se um esquema muito elaborado, que se inicia muitos meses antes. Uns autênticos Hunger Games – uma alusão à colecção da escritora Suzanne Collins, Jogos da Fome, que já chegaram ao cinema e cujo o segundo filme da saga estreia esta quinta-feira, em Portugal –, como notou Obama durante a cerimónia deste ano.

O peru ideal tem de aliar a robustez física ao bom comportamento em público, de forma a ser capaz de lidar com toda a pressão mediática que envolve o evento. Este ano, o peru escolhido veio de uma quinta no Minnesota. Um grupo de 80 perus é escolhido, ainda em Julho, pelo criador, no universo de oito mil da quinta, e é logo separado de todos os outros. Em Agosto, os 80 passam a 20, baseados no tamanho e na domesticação. Estes privilegiados tiveram direito a passar os últimos meses numa pequena casa de campo especialmente construída para o efeito, onde foram visitados por grupos de crianças.

Durante esse “estágio”, é posta à prova a capacidade dos perus em lidar com a presença de pessoas, barulho e até flashes de máquinas fotográficas. Finalmente, em Novembro, são escolhidos os dois finalistas que terão direito a participar na cerimónia na Casa Branca.

Uma vez em Washington, o tratamento assume contornos VIP. Os dois perus pernoitaram, este ano, de acordo com a Time, no Hotel Willard, cujos quartos variam entre os 200 (147 euros) e os 3500 dólares (2570 euros) por noite.

Chegado o grande dia, cabe ao Presidente a escolha do peru amnistiado. Mas nem sempre a decisão acaba por ser benéfica para o vencedor. Desde a primeira eleição de Obama, apenas um dos perus presidenciais conseguiu sobreviver até ao Dia de Acção de Graças seguinte.

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