“Morsi é Mubarak”, grita-se na Tahrir

Decisão do Presidente de concentrar poder atrai às ruas opositores e defensores

A Irmandade Muçulmana diz querer "proteger a revolução", os activistas vêem "tirania"
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A Irmandade Muçulmana diz querer "proteger a revolução", os activistas vêem "tirania" Khaled Desouki/AFP
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Apoiantes de Morsi junto ao Palácio Presidencial Asmaa Waguih/REUTERS
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Milhares de manifestantes pediram a demissão de Morsi Mohamed Abd El Ghany/REUTERS
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Confrontos em Alexandria AFP
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Apoiante da Irmandade Muçulmana AHMED MAHMOUD/AFP
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Carga policial na Tahrir Mohamed Abd El Ghany/REUTERS
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“Revolução em todo o lado”, gritaram os opositores GIANLUIGI GUERCIA/AFP

Milhares de pessoas ocupam a Praça Tahrir, no Cairo, numa manifestação de repúdio pela Declaração Constitucional do Presidente Mohamed Morsi, segundo a qual todos os decretos provenientes da presidência não podem ser revogados ou cancelados por “nenhum indivíduo nem nenhuma organização política ou governamental”. Os EUA já criticaram o reforço de poder e apelaram à calma no país.

Enquanto Morsi discursa perante os seus apoiantes concentrados em frente ao palácio presidencial de Heliopolis, há registos do lançamento de gás lacrimogéneo para a multidão que ocupa a Tahrir. Ouvem-se palavras de ordem como “Morsi é Mubarak”, numa referência ao Presidente deposto depois dos protestos populares do ano passado, e também “Revolução em todo o lado”.

Os manifestantes exigem a demissão de Mohamed Morsi, que acusam de ter “sequestrado a revolução” num aparente golpe de Estado.

No seu discurso, Morsi saudou o fim do regime opressivo de Mubarak e sublinhou que o Egipto se encontra agora “no caminho da democracia, liberdade, justiça social e estabilidade”.

Referindo-se aos manifestantes da Praça Tahrir, o Presidente prometeu “jamais favorecer um lado contra o outro: aqueles que me apoiam e aqueles que se opõem a mim”. Quanto às críticas à sua Declaração Constitucional de quinta-feira, Morsi insistiu que “não se trata de um exercício de vingança” e que não abusará da sua autoridade legislativa.

A Irmandade Muçulmana, do Presidente Mohamed Morsi, tinha apelado aos seus membros para não saírem do país pois poderiam ser precisos para “apoiar decisões revolucionárias”. A oposição secular apela a protestos queixando-se de que Morsi tem agora tanto poder como o Presidente derrubado, Hosni Mubarak.

Tudo depois do anúncio, da véspera, de que as decisões de Morsi passavam a não poder ser contestadas por qualquer instância, incluindo a judicial. A par deste poder, foram anunciadas medidas mais populares: o afastamento do procurador-geral que tinha deixado ilibados responsáveis acusados pela repressão das manifestações anti-Mubarak. A primeira ordem do novo procurador-geral,Talaat Ibrahim, foi reabrir a investigação contra Hosni Mubarak (condenado em Junho passado a prisão perpétua); o seu último ministro do Interior, Habib al-Adly; e seis dos seus colaboradores, acusados e ilibados das mortes de manifestantes a 25 de Janeiro.

Esta sexta-feira devia ser o dia de assinalar os confrontos do ano passado na rua Mohamed Mahmoud, um protesto que tinha como tema “olhos da liberdade”, porque muitos manifestantes perderam os olhos, resultado da violência nas ruas. Pelo menos tinha sido o mote escolhido por mais de 30 grupos políticos.

Mas a oposição passou entretanto para apelos a protestos contra a decisão de Morsi, que classificam como “um golpe contra a democracia”.

Em Alexandria, manifestantes atacaram a sede da Irmandade Muçulmana, atirando cadeiras e livros para a rua e pegando-lhes fogo, descreve a agência Reuters. Apoiantes e opositores do Presidente também lançaram pedras uns contra os outros, com a Al-Jazira a avançar que há registo de pelo menos 25 feridos. Outra sede da Irmandade foi apedrejada em Port Said, mas os manifestantes anti-Morsi não chegaram a entrar no local.

"Proteger a revolução"
Num discurso depois das orações desta sexta-feira, Morsi prometeu: “Iremos avançar,  ninguém se irá colocar no nosso caminho”. Dizendo que cumpre os seus deveres “perante Deus e a nação” e que toma decisões “depois de consultar toda a gente”, Morsi concluiu: “A vitória não surge sem um plano claro e isso é o que eu tenho.”

A Irmandade Muçulmana defende a decisão do Presidente como necessária para fazer a “limpeza” do sistema judicial e “proteger as decisões revolucionárias”. Os jovens activistas que estiveram na linha da frente dos protestos contra Mubarak discordam e vêem uma tomada de poder que dá ao novo Presidente uma esfera de acção tão alargada como a que tinha Hosni Mubarak.

Ahmed Maher, fundador do Movimento 6 de Abril, disse que este anúncio marca “o início de uma nova era de tirania”, segundo o site egípcio Aswat Masriya.

A jornalista Dalia Rabie escrevia na página de Internet do centro de estudos Atlantic Council que “num artigo particular, Morsi dá a si próprio o direito de tomar qualquer medida que seja apropriada para proteger a revolução e preservar a unidade e segurança nacional – esta alínea lembra a infame lei de emergência que permitiu as detenções arbitrárias feitas com o pretexto de proteger a segurança nacional”.

Um "modo estranho" de construir uma democracia
Por outro lado, Nathan Brown, professor de política internacional e especialista em Médio Oriente na Universidade George Washigton, escreveu no blogue The Arabist uma análise sublinhando um possível aspecto positivo. “A substância das decisões não é de todo má para os que esperam uma transição democrática. O procurador-geral que foi afastado era um remanescente do antigo regime em quem poucos confiavam. A assembleia constituinte, constantemente ameaçada de dissolução por ordem judicial, estava a trabalhar de um modo que parecia aumentar as divisões”, notou.

“Julgamentos de membros do antigo regime correram claramente mal e as vítimas dos militares e forças de segurança foram abandonadas”: a acção de Morsi tenta reverter estes factores. “Talvez ele use a sua autoridade para proteger um processo que irá construir uma democracia que funcione e um sistema pluralista. Não é impossível. Mas é um modo estranho de construir uma democracia”, conclui.

EUA criticam reforço de poderes e apelam à calma
O reforço dos poderes do Presidente Mohamed Morsi já foi comentado pelas autoridades norte-americanas. Num comunicado publicado no site do Departamento de Estado norte-americano, a porta-voz Victoria Nuland afirma que a Declaração Constitucional de Morsi "preocupa muitos egípcios e a comunidade internacional".

"Uma das aspirações da revolução era a garantia de que o poder não ficaria concentrado em demasia nas mãos de qualquer pessoa ou instituição. O actual vazio constitucional no Egipto apenas pode ser resolvido com a adopção de uma Constituição que inclua deveres e direitos e que respeite as liberdades fundamentais, os direitos individuais e uma legislação consistente com os compromissos internacionais do Egipto", lê-se no comunicado do Departamento de Estado.

A Administração norte-americana apela ainda "à calma e à coragem de todas as partes para que trabalhem em conjunto" e deixa  o desejo de que “todos os egípcios resolvam as suas divergências em relação a estes assuntos importantes de forma pacífica e através do diálogo democrático”.

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