E depois do adeus

Rosnou o elefante quando a formiga Grega reclamava da ocupação da via pelo volumoso paquiderme, o Euro. Talvez a Europa aprenda, quando o elefante saltitar de nenúfar em nenúfar.

Escrevo antes do desfecho do referendo da Grécia, na suposição de que o sim vencerá. Sem esperança de as coisas mudarem no curto prazo, dada a escassez de força da sua economia para levantar cabeça sem ajuda externa, o governo grego demitir-se-á, sendo provável a realização de eleições antecipadas e nelas uma vitória dos defensores do sim.

Com dispêndio de tempo, instabilidade política, algumas aventuras extremistas e acentuada degradação da economia. Assustada com a abertura da caixa de Pandora, a Europa estará mais disponível. Seguir-se-á novo acordo, pouco diferente dos anteriores, talvez com perdão de dívida, o que só retarda o acesso aos mercados. E recomeçará o ciclo da incapacidade política para reforma da sociedade, sem grande esperança de obrigar quem deve a pagar os seus impostos, já que se demonstra ser sempre mais fácil espremer a classe média e os pobres que agarrar os ricos. Muitos deles com o seu dinheirinho a bom recato, lá fora. O não seria ou poderia ser uma rotura, dolorosa no imediato e nos anos mais próximos, mas talvez salvadora no médio e longo prazo. Como afirmaram Stiglitz, Krugman e Wolf, com o distanciamento de quem olha para estas coisas como académicos. Ninguém os vai ouvir. Na hora do voto, o pensionista e o funcionário lembrar-se-ão das filas para alcançar três notas de vinte, da incerteza do amanhã, preferindo quem lhes corte na pensão a quem lha prometa completa, mas a prestações. Puro raciocínio económico. Este é o cenário, sem juízos de valor. Vamos aos actores.

Em primeiro lugar o Governo Grego. Aprendizes de feiticeiro, inebriados pela visibilidade mediática, audazes mas sem preparação negocial, imaginativos num contexto que odeia a imaginação, aparentemente populares e atraentes na sua heterodoxia, gerando nos parceiros europeus, primeiro simpatia, depois surpresa, a seguir desconforto, logo depois instabilidade emocional, para terminar no ódio interior e no insulto mal contido. Mantiveram semanas a fio uma enorme rigidez negocial, dobrada de simpatia entre os media e expectante optimismo quase nunca comprovado. Foram acumulando pequenas vitórias que os invejosos intervencionados toleravam com dificuldade. Sendo imensa a distância entre cada patamar alcançado e as suas iniciais linhas vermelhas, algumas tendo passado a rosa e até a verde, averbaram ganhos sem preparar a retaguarda. Esta gritava por sangue, num heroísmo ampliado pela diversidade frentista da maioria parlamentar. Quando tudo parecia quase aceitável, surgiu o terrível dilema: levantamos os ganhos do jogo ou continuamos até ao fim, como nos impõem de Atenas? Convenceram-se ser possível exigir mais, na jogada final, apostando que um referendo anunciado quase no fim do jogo seria o golpe de misericórdia na desagregada Europa. Depois foi o que se sabe, perdendo amigos e endurecendo adversários. E quase de certeza perdendo a cartada final.

O FMI. Aureolado pela competência técnica inexistente na inexperiente Europa, o FMI foi ditando regras, de aplicação sempre ortodoxa pelos operacionais em campo e cada vez mais ambíguas e contraditórias nas opiniões da cúpula. Autoridade sem legitimidade democrática foi gerando hostilidade e rejeição de enxerto. A Directora Executiva pouco ajudava. Mas agora desdobra-se em promessas. Afinal vai haver mais perdão de dívida grega, 53 mil milhões, além de novo programa de mais de trinta milhões. À custa dos credores europeus, claro está. Sem estes reagirem.

Os países credores. O leitor deve ser poupado a esta rapsódia cromática. Cada dia surge um novo comentário, gerado pela negação grega e depois pelas piruetas propostas. Desconcerto apenas concertado por quem menos falava, Mário Draghi, que tentava unir as pontas, coser os rasgões do delido tecido. A aparente calma protectora dos grandes, Alemanha e França, alguma simpatia pelos jovens gregos, vinda de governos sociais-democratas e até da Comissão, a hostilidade sem limites de alguns cristãos novos do Leste, e o paternalismo de palmatoada defendido pela Ibéria foram reacções difíceis de esconder. A arrogância imperial da meseta, associada à jactância do seguidismo de costas quentes geraram uma imagem desgraçada. Acrescida da aritmética balbuciante e infeliz do “19 menos um, ficam 18”, que nada ajudou a esclarecer, a informar e a educar.

As instituições europeias. Durante semanas a fio pareciam ser a sede do bom-senso. Depois desestabilizaram-se emocionalmente com o diktat do referendo. Juncker que aspirava ao título de grande sacerdote e pacificador emérito, sentiu-se enganado. A partir daí, tudo muda. Nos dias e horas que faltam até final da semana, Bruxelas tudo está a fazer, com ou sem senso, para impedir a vitória do não e derrubar o actual governo. Será esta a primeira vez? Não será a última.

Lição de vida. Não vale a pena pedir aos líderes europeus e ao FMI mais do que aquilo que eles podem dar, como se dizia na tropa. Já a formiga tem catarro! Rosnou o elefante quando a formiga Grega reclamava da ocupação da via pelo volumoso paquiderme, o Euro. Talvez a Europa aprenda, quando o elefante saltitar de nenúfar em nenúfar e a formiga trocar as gâmbias e seguir; “já lá vai noutro carreiro”, como cantava o Zeca Afonso. Nem o elefante levitará, nem a formiga seguirá por outro carreiro.

Professor catedrático reformado

Sugerir correcção
Ler 1 comentários