Duas portuguesas na greve de fome em cadeia pela sarauí Takbar Haddi

No Sara Ocidental, há muitos jovens mortos sem que os pais alguma vez saibam como morreram. Uma mãe deixou de comer para que lhe entreguem o corpo do filho.

Fotogaleria
Isabel Lourenço e Helena Brandão asseguram mais 24 horas de jejum pela mãe de activista morto MIGUEL MANSO
Aminatu Haidar v
Fotogaleria
Aminatu Haidar passou uma noite com Haddi em Las Palmas DR

Takbar Haddi cumpriu 36 dias de greve de fome diante do consulado marroquino em Las Palmas, nas Canárias, para exigir a Rabat o corpo do filho, Mohamed Lamin Haidala, assassinado no Sara Ocidental aos 21 anos. Esta mãe interrompeu temporariamente o seu protesto, na noite de 19 para 20 Junho, depois de ter vomitado sangue. Mas a sua greve não parou. Até que Haddi esteja em condições para recomeçar o jejum, outros o farão por ela: entre quarta e quinta-feira é a vez de duas portuguesas, Isabel Lourenço e Helena Brandão.

Segundo a família e várias organizações de direitos humanos, Haidala foi espancado e esfaqueado por colonos marroquinos em El Aaiún (principal cidade e capital do território ocupado por Marrocos), no dia 31 de Janeiro. Em vez de procurar os atacantes, a polícia marroquina deteve Haidala e recusou-lhe tratamento médico. Quando foi libertado, o jovem procurou ajuda, mas os hospitais recusaram recebê-lo. Haidala acabou por morrer dos ferimentos a 8 de Fevereiro.

São frequentes os casos de sarauís que não conseguem ser vistos por médicos. Num relatório divulgado em Março, a Amnistia Internacional descreve vários casos de jovens, incluindo alguns com menos de 18 anos, detidos por membros da segurança marroquina e espancados dentro de viaturas antes de serem libertados sem qualquer acusação.

Haidala, que já tinha perdido a mobilidade numa mão num incidente anterior, “participava em muitas manifestações, era muito corajoso e a polícia conhecia-o”, contou ao jornal espanhol El Diario o padrasto, Salah, que acompanhou Haddi durante a greve. “Por isso é que os colonos o raptaram e o levaram para o deserto. Enfiaram-no num carro e bateram-lhe até ele ficar inconsciente”.

Haddi recusa que o seu filho seja mais um sarauí enterrado sem que as circunstâncias da sua morte sejam apuradas. Quando soube que perdera o filho, viajou de Espanha para o Sara e reclamou o seu corpo. Em troca, as autoridades exigiram-lhe que assinasse o certificado de óbito, o que ela recusou. No seu relatório, baseado em visitas em 2013 e 2014, a Amnistia descreve “quatro casos de mortes suspeitas com alegações de abusos das forças de segurança, incluindo duas mortes na prisão”. Em nenhum caso as famílias “receberam os resultados das autópsias ou conseguiram autorização para uma segunda autópsia independente”.

Sonhar com justiça

Como aconteceu com Aminatu Haidar, a activista que no final de 2009 esteve 36 dias em greve de fome em Lanzarote, para onde Marrocos a expulsou depois de lhe recusar a entrada em El Aaiún por ter escrito “Sara Ocidental” em vez de “Marrocos” no local destinado à morada do imprenso de desembarque, o protesto de Haddi foi recebido com silêncio por Madrid, antiga potência colonial, mas tem recebido o apoio de muitos um pouco por todo o mundo.

Haidar conseguiu regressar a casa, quando a sua saúde estava muito debilitada. Haddi só interrompeu a greve de fome ao quarto internamento. O marido acredita na determinação da mulher, não na justiça. “O que mais que dói é que ela sabe que não lhe vão devolver o filho. Mas agarra-se aos sonhos. Quando dorme, sonha com o filho que lhe pede para ser enterrado com o seu avô no cemitério, a 33 quilómetros de El Aaiún”, contou Salah à imprensa espanhola.

Por agora, o protesto de Haddi é assegurado por outros. Nas cadeias marroquinas, há presos políticos sarauís que deixaram de comer e não faltam voluntários em vários países para continuar a “greve de fome em cadeia”. As activistas portuguesas conhecem bem a situação no Sara. Isabel Lourenço foi expulsa de El Aaiún ainda em Fevereiro e considerada persona non grata, quando se preparava para assistir ao julgamento de um jornalista como observadora internacional. Durante 24 horas, estarão em greve junto à Assembleia da República, em Lisboa.

Sugerir correcção
Comentar