Donald Tusk acusa Rússia de ajudar "o regime assassino de Assad"

Presidente do Conselho Europeu endurece a posição da UE, depois de a chanceler alemã ter dito que está "horrorizada" com a ofensiva contra a cidade síria de Alepo.

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Família síria na fronteira turca de Oncupinar BULENT KILIC/AFP

A voz da União Europeia continua a engrossar perante o papel da Rússia na ofensiva contra a cidade síria de Alepo, onde 300.000 pessoas temem ficar cercadas durante meses e de onde os bombardeamentos diários já afugentaram pelo menos outras 30.000 para a fronteira com a Turquia. Depois de a chanceler alemã se ter mostrado "horrorizada" com a acção de Moscovo, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, acusou esta terça-feira a Rússia de ajudar "o regime assassino de Assad".

"As acções da Rússia na Síria estão a agravar ainda mais uma situação que já é muito grave. Como consequência directa da campanha militar russa, o regime assassino de Assad está a ganhar terreno, a oposição síria moderada está a perder terreno, e mais milhares de refugiados estão a fugir em direcção à Turquia e à Europa", disse Donald Tusk durante uma recepção em Bruxelas ao novo primeiro-ministro da Geórgia, Georgi Kvirikashvili.

O presidente do Conselho Europeu referia-se à ofensiva lançada na semana passada contra a maior cidade síria, no Norte, perto da fronteira com a Turquia, que foi em tempos o coração financeiro e comercial do país, com mais de dois milhões de habitantes. Devastada pela guerra que vai entrar em Março no seu sexto ano, grande parte de Alepo é hoje um amontoado de escombros, onde cerca de 300.000 pessoas lutam pela sobrevivência.

Dividida entre as forças de Bashar al-Assad e o mosaico que inclui combatentes da oposição democrática e grupos extremistas islâmicos, Alepo é desde a semana passada o novo drama que se desenrola perante a falta de respostas da chamada comunidade internacional – desde que a aviação russa começou a bombardear a cidade sem parar, e que os soldados de Bashar al-Assad passaram a controlar o principal acesso à cidade, centenas de milhares de civis ficaram encurralados, paralisados entre o desejo de escaparem o mais depressa possível e a desilusão de saberem que a Turquia lhes fechou as portas.

Desde Ancara, o Governo turco lembra que já acolheu cerca de 2,5 milhões de refugiados sírios desde o início da guerra, e diz que, por agora, o mais que pode fazer é prestar assistência no lado sírio da fronteira e prometer uma "entrada controlada" dos milhares que compõem a mais recente vaga em fuga da ofensiva de Assad, que conta com o apoio crucial da aviação russa.

Em resposta às acusações de Angela Merkel e Donald Tusk, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, pediu que alguém apresentasse provas de que os bombardeamentos russos estão a matar civis.

"Apesar da quantidade de declarações desse tipo, até agora ninguém apresentou uma única prova credível que sustente essas palavras", disse Peskov, que se pronunciou também sobre o estado das relações com a Turquia: "As nossas relações nunca estiveram tão mal nas últimas décadas. A Turquia cometeu actos agressivos e cobardes contra a Rússia. A Turquia não explicou bem as suas acções e não pediu desculpas", disse o porta-voz, referindo-se ao abate de um caça russo por aviões turcos em Novembro do ano passado.

Em Ancara, e em resposta à insistência das Nações Unidas e da União Europeia para que abra a sua fronteira de Oncupinar, onde dezenas de milhares de sírios aguardam do outro lado, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia disse esta terça-feira que o seu país já autorizou a entrada de 10.000 pessoas, mas não quis avançar pormenores – para todos os efeitos, a fronteira de Oncupinar continua encerrada, e o ministro poderia estar a referir-se a outras zonas.

"Recentemente, mais de 50.000 pessoas chegaram à fronteira com a Turquia devido aos bombardeamentos aéreos da Rússia. Deixámos entrar 10.000 desses migrantes e estamos a construir alguns campos do outro lado da fronteira. Estamos a autorizar de uma forma controlada a entrada das pessoas que querem vir", disse o ministro turco Mevlut Cavusoglu esta terça-feira, durante uma visita a Budapeste, onde se encontrou com o seu homólogo da Hungria.

O número de sírios que procuram ficar a salvo da batalha selvagem que começa a desenhar-se em Alepo é da ordem das dezenas de milhares (30.000 para uns, 50.000 para outros), mas as Nações Unidas não têm dúvidas de que poderá rapidamente chegar às centenas de milhares – ou mesmo a um milhão, segundo as autoridades da Turquia, que tomam parte na guerra na Síria contra o regime de Bashar al-Assad.

Um possível cerco a Alepo (uma táctica usada em Madaya, por exemplo, onde dezenas de crianças e idosos morreram de fome) "deixaria até 300.000 pessoas, que ainda vivem na cidade, sem ajuda humanitária, a não ser que fosse negociado um acesso através das linhas estabelecidas", salienta um comunicado do Gabinete das Nações Unidas para a Coordenação dos Assuntos Humanitários. Se as forças de Assad continuarem a avançar, "os conselhos municipais da cidade estimam que entre 100.000 e 150.000 civis possam vir a fugir".

No meio da tragédia na Síria, e agora particularmente em Alepo, a liderança da União Europeia continua a pressionar a Turquia para que ponha em prática as medidas acordadas em Novembro do ano passado em troco de uma ajuda financeira de 3000 milhões de euros, para que o fluxo de refugiados em direcção à Europa seja estancado na fronteira turca – através da melhoria de condições de vida dos refugiados nos campos e de medidas que permitam aos que vivem nas cidades um acesso ao mercado de trabalho e ao ensino.

Desde o início da guerra, em Março de 2011, já morreram pelo menos 250.000 pessoas e 11 milhões tiveram de fugir das suas casas – cerca de seis milhões estão deslocados na Síria e quatro milhões procuraram estatuto de refugiados em vários países, a esmagadora maioria dos quais nos vizinhos Turquia, Líbano e Jordânia.

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