Documentos sobre negócios do Brasil com Angola e Cuba foram tornados secretos

A declaração de sigilo foi aprovada pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e justificada com a protecção de informações "estratégicas".

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Lula da Silva e José Eduardo dos Santos em 2007: Angola é o maior destino de recursos dos bens e serviços brasileiros Ricardo Stuckert/REUTERS

O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil, Fernando Pimentel, tornou secretos os documentos relativos às operações de financiamento aos Governos de Angola e Cuba, que só no ano passado ultrapassaram os 670 milhões de euros.

Segundo uma investigação do jornal Folha de São Paulo, “com a decisão (do Governo brasileiro), o conteúdo dos documentos só poderá ser conhecido a partir de 2027”.

O diário paulista referiu que os documentos poderiam revelar “os reais interesses do Governo brasileiro nesses negócios”, os critérios escolhidos para tais investimentos, assim como algum “parecer contrário” a estas transações que tenha sido “ignorado” pelas autoridades brasileiras.

O Ministério do Desenvolvimento esclareceu que os documentos foram colocados sob sigilo porque envolvem informações “estratégicas”, documentos “apenas custodiados pelo Ministério” e dados “cobertos por sigilo comercial”, como informações relativas aos Governos de outros países e de empresas.

Os actos para a declaração de secretismo foram assinados por Fernando Pimentel em Junho de 2012, um mês após a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação, de acordo com dados obtidos pela Folha de São Paulo.

Antes da nova Lei de Acesso à Informação, já existia legislação que previa a classificação de documentos em diversos graus de sigilo, mas é a primeira vez que se aplica o termo “secreto” em casos semelhantes, segundo reconheceu o próprio Ministério.

No ano passado, o Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES) disponibilizou 875 milhões de dólares (670,7 milhões de euros) para operações de financiamento à exportação de bens e serviços de empresas brasileiras para Cuba e Angola.

O país africano superou a Argentina e passou a ser o maior destino de recursos dos bens e serviços brasileiros.

Só em 2012, o BNDES financiou operações para 15 países, no valor total de 2,17 mil milhões de dólares (1,6 mil milhões de euros), mas apenas os casos de Cuba e Angola receberam os carimbos de “secreto” no Ministério do Desenvolvimento.

Segundo explica o jornal, isso ocorreu por que havia “memorandos de entendimento” entre Brasil, Cuba e Angola que não existiam noutras operações do género.

O secretismo abrange praticamente tudo o que se relaciona com as negociações entre Brasil, Cuba e Angola, como memorandos, pareceres, correspondências e notas técnicas.

O diário brasileiro indicou que há “pistas” sobre o destino do dinheiro - contudo, estão em informações públicas e em comentários da Presidente da República, Dilma Rousseff.

Em Havana, onde esteve em Janeiro para um encontro com o Presidente Raúl Castro, Dilma Rousseff afirmou que o Brasil financiava boa parte da construção do Porto de Mariel, a 40 quilómetros da capital, obra executada pela construtora Odebrecht. A Presidente declarou ainda que o Brasil estava a trabalhar para "amenizar" os efeitos do embargo económico a Cuba.

“É impossível considerar como correcto o bloqueio de alimentos a um povo. Por isso estamos a participar, financiando, através de um crédito rotativo, 400 milhões de dólares (306,6 milhões de euros) de compra de alimentos no Brasil”, informou nessa altura.

Na visita a Angola, em 2011, Dilma Rousseff afirmou que “os mais de 3000 milhões de dólares (2,2 mil milhões de euros) disponibilizados pelo Brasil fazem de Angola o maior beneficiário de créditos no âmbito do Fundo de Garantias de Exportações” do BNDES.

O diário brasileiro revelou que o ex-Presidente Lula da Silva esteve em Angola, em 2011, para participar num evento patrocinado pela construtora Odebrecht.

O Ministério do Desenvolvimento indicou que os financiamentos têm o objetivo de dar competitividade às empresas brasileiras nas vendas ao estrangeiro.

O jornal Folha de São Paulo não conseguiu falar com as assessorias das embaixadas de Cuba e de Angola.

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