Direcção do Podemos procura afastar o espectro da crise interna

Demissão de Juan Carlos Monedero, o número três do partido, expôs cisão entre ala moderada e os que "não querem desistir dos princípios fundadores".

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Juan Carlos Monedero (à esquerda) saiu mas garantiu compromisso com o Podemos e amizade com Pablo Iglesias (à direita) AFP/DANI POZO

“Vamos no bom caminho”, foi a mensagem da direcção do Podemos, que durante o fim-de-semana se esforçou por mostrar uma frente unida contra os críticos e contrariar as especulações sobre uma alegada tensão interna e luta de facções na sequência da demissão de Juan Carlos Monedero, um dos fundadores do partido que saiu por divergências com o líder Pablo Iglesias.

Em defesa da direcção e da sua estratégia com vista às próximas eleições locais e regionais de Maio e as legislativas de Novembro, o secretário de organização do Podemos, Sergio Pascual, rejeitou as críticas que apontam para um desvio dos princípios fundadores do partido como uma organização de protesto, e assinalou o “apoio dos cidadãos que percebem que o nosso partido responde às suas demandas com a firmeza das suas convicções”.

Foi a demissão de Juan Carlos Monedero, um dos fundadores do Podemos e que no organigrama interno era uma espécie de número três do partido, que veio levantar o espectro da crise no cerne do movimento de esquerda que entrou com estrondo na cena política espanhola em 2014 mas que parece estar a perder o seu fulgor. Depois de ocupar o lugar cimeiro nas sondagens sobre as intenções de voto dos espanhóis, o partido caiu para o quarto lugar, atrás dos dois grandes partidos socialista e conservador e do movimento de centro-direita Cidadãos — segundo os números da empresa MyWord para a rádio Cadena Ser, as quatro formações estão todas no mesmo patamar, com votações entre os 18 e os 22%.

Juan Carlos Monedero, um professor universitário de 52 anos que foi responsável pela redacção do programa eleitoral, anunciou a sua saída na quinta-feira, pouco depois de uma entrevista radiofónica em que falou sobre as “tensões no coração do Podemos” e a sua discordância com o rumo do partido, que na sua opinião começava a replicar o guião das formações tradicionais em vez de se manter fiel à sua origem como uma plataforma de protesto.

Uma outra fundadora do partido, a galega Carolina Bescansa, tinha admitido ao El País a existência de dois pólos ou correntes, que definiu como o “Podemos para ganhar e o Podemos para protestar” — a primeira é defendida por Íñigo Errejón, o número dois do partido e visto como o responsável pelo arrepio para o centro, e a segunda é representada pelo eurodeputado Miguel Urbán ou pela líder andaluza Teresa Rodríguez, que no sábado alertou para a necessidade de “manter o vínculo às bases”.

Sem referir nomes, Monedero explicou que no partido existia uma ala moderada, que até está disponível para reunir-se com banqueiros, e uma ala “que não quer desistir dos princípios fundadores”, nomeadamente da sua cartilha radical contra as políticas de austeridade e de combate sem tréguas à corrupção e privilégios na classe política e na elite espanhola. “Às vezes começamos a parecer demasiado aqueles que pretendemos substituir. Mas não somos nenhum grupo de meninos limpinhos e incapazes de dar dores de cabeça aos poderosos”, lamentou.

O próprio Monedero provocou fortes dores de cabeça ao Podemos, por causa das revelações sobre o seu atraso em pagar os impostos devidos pelo seu trabalho de consultor político de vários governos (esquerdistas) latino-americanos, nomeadamente do antigo Presidente da Venezuela, Hugo Chávez.

A direcção procurou mitigar o efeito de choque e surpresa das declarações e da demissão de Monedero, que também procurou esvaziar a polémica com uma mensagem pessoal de amizade e admiração por Pablo Iglesias e de “compromisso com o Podemos, o partido mais decente na política espanhola”. Em declarações aos jornalistas, Pablo Iglesias disse que não tencionava alterar uma linha ao programa político elaborado por Juan Carlos Monedero. “Não concordo com algumas das suas reflexões, mas aceito que o partido por vezes seja abanado por críticas, com toda a liberdade”, observou.

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