Dilma Rousseff promete fazer já o impossível e deixar os milagres para depois

Presidente do Brasil toma posse para o segundo mandato, com a promessa de reformas na política e ajustes na economia. Pediu pacto nacional para travar a corrupção e defendeu a Petrobras.

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Dilma Roussef à chegada ao Palácio do Planalto Wenderson Araujo/AFP

O carácter histórico, o ambiente optimista e o tom triunfalista que marcaram a inauguração da presidência de Dilma Rousseff, há quatro anos, estiveram totalmente ausentes da sua segunda cerimónia de tomada de posse. Dilma Rousseff avançou para o seu derradeiro mandato com o compromisso solene de alterar as políticas económicas do executivo e promover cortes e ajustes para reequilibrar as contas públicas e retomar o rumo do crescimento, depois de anos de estagnação, e de introduzir reformas que promovam a transparência e limpem o país da nódoa da corrupção.

“O povo quer mudanças. Quer avançar, quer mais – e eu também”, reconheceu a Presidente no discurso que iniciou o segundo mandato. Mas como fez questão de sublinhar, as mexidas, “correcções” e reformas pontuais servem o propósito de manter e prolongar o projecto de Governo que já começou com o seu antecessor Lula da Silva, há mais de uma década: a cerimónia de ontem em Brasília, interpretou Dilma, representou apenas a “inauguração de uma nova etapa neste processo histórico de mudanças sociais no país”. “Através do extraordinário trabalho iniciado pelo Presidente Lula e continuado por nós, temos a primeira geração de brasileiros que não vivenciou a tragédia da fome”, frisou.

Num discurso de cerca de 40 minutos perante o Congresso Nacional, Dilma começou por defender as concretizações do seu primeiro Governo, enumerando as conquistas e os sucessos do Brasil nos últimos quatro anos, para logo “detalhar as acções e atitudes concretas que vão nortear o segundo mandato”, sobretudo em termos de política económica. “Assim como provamos que é possível crescer e distribuir rendimentos, provaremos que é possível fazer ajustes na economia sem trair os avanços sociais conquistados”, declarou, confirmando o cenário de cortes e poupanças que já vêm sendo antecipados desde a eleição.

A Presidente fixou como grandes objectivos a “estabilidade e credibilidade da economia; a disciplina fiscal e o controlo da inflação”, e prometeu uma “acção firme e sóbria para criar um ambiente mais favorável aos negócios, à actividade produtiva e à ampliação do investimento”, bem como um “combate sem trégua à burocracia” e o “aprimoramento dos modelos de regulação do mercado”. Ao mesmo tempo garantiu “a manutenção de todos os direitos trabalhistas e previdenciários”, a valorização do salário mínimo e a promoção do emprego.

Dilma Rousseff desvendou o novo lema do país, “Brasil, pátria educadora!”, para apresentar a sua aposta na educação, que será “a grande prioridade” e “sector para o qual deve convergir o esforço de todas as áreas do Governo”. Também prometeu reforçar o sistema nacional de saúde, “redobrar os esforços para mudar o quadro da segurança pública no país”, modernizar a legislação ambiental e cumprir os parâmetros globais para a redução de emissões de gases com efeito de estufa.

Nalguns pontos, a Presidente desceu ao nível do pormenor, sobretudo quando se referiu ao combate “enérgico” à corrupção – um fenómeno “que ofende e humilha trabalhadores e empresários” e “deve ser extirpado”, defendeu, propondo um “pacto nacional” – e à questão da Petrobras, os dois temas do momento no Brasil. A petrolífera estatal deve continuar a ser um motivo de orgulho para os brasileiros e um factor de desenvolvimento da nação, defendeu Dilma: “Temos muitos motivos para proteger a Petrobras dos seus predadores internos e dos seus inimigos externos”. Dilma lamentou que dirigentes da maior empresa do país tivessem alimentado um complexo esquema de desvios de dinheiro e outras ilegalidades, e reforçou a sua intenção de “implantar o mais eficiente e poderoso sistema de governança de uma empresa brasileira” (e também de projectar o Brasil como “o maior produtor de petróleo do planeta”).

Na análise de Igor Gielow, o director do jornal Folha de São Paulo em Brasília, as referências directas de Dilma à trama de corrupção da Petrobras foram reveladoras do “incómodo da Presidente com os riscos que a crise na maior empresa brasileira insinua”, sobretudo enquanto decorrerem as investigações abertas pela operação Lava-Jacto. Aliás, o jornalista encontrou sinais de tensão por todo o discurso, com a “Presidente em passo de guerra” a procurar dar resposta às diversas crises, numa “temática assertiva que condensa a defesa dos principais flancos expostos do seu Governo”.

Só nas referências finais, à sua história pessoal de sobrevivente da tortura e do cancro, ou à resistência do povo brasileiro “que jamais abdica dos seus sonhos”, é que a Presidente foi mais emotiva. A conclusão do discurso teve até direito a poesia, “com um verso com sabor a oração”, confessou: “O impossível se faz já, só os milagres ficam para depois”, prometeu Dilma.

A equipa do novo Governo brasileiro foi oficialmente fechada na véspera da posse. No processo de composição do executivo, só houve lugar para uma novidade de última hora: a indicação do actual embaixador do Brasil em Washington, Mauro Vieira, para o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros. Porém, a mudança de chefia do Itamaraty não prenuncia nenhuma alteração do rumo da política externa brasileira, que segundo declarou a Presidente, continuará a privilegiar as ligações diplomáticas com os países da América Latina e do Caribe, a dar ênfase às relações com África, os países asiáticos e o mundo árabe e a aprofundar a associação política e comercial com os “parceiros estratégicos globais” que são os BRICS, o bloco das economias emergentes.

O nome do novo ministro das Finanças, Joaquim Levy, e dos restantes responsáveis pelas pastas económicas (Nelson Barbosa no ministério do Planeamento e Alexandre Tombini no Banco Central), já tinham sido anunciados – aliás, por causa da “delicada” conjuntura económica que o país atravessa, estes dirigentes já estavam a trabalhar informalmente com os ministros que ontem deixaram os cargos.

Mas a troca de cadeiras é a excepção no segundo Governo Dilma: a Presidente manteve os titulares de 13 dos seus ministérios, reforçando a sua confiança em figuras polémicas como Aloízio Mercadante, ministro da Casa Civil.

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