Dilma e Aécio empenham-se na dura batalha por Minas Gerais

Dilma Rousseff e Aécio Neves, ambos mineiros, aumentam os esforços para conquistar o segundo maior colégio eleitoral do país. Nos últimos 12 anos, o bastião de Aécio em Minas parecia inexpugnável. A poucos dias da eleição, porém, o PT pode não só ganhar a eleição para presidente como está prestes a tomar o palácio do governo estadual.

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A campanha de Dilma foi metódica, rotineira e implacável Paulo Whitaker/Reuters

Nas ruas de Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais, apareceu nos últimos dias um cartaz do PT (Partido dos Trabalhadores) que se existisse há apenas meio ano atrás faria rir de ridículo o mais sisudo dos transeuntes. Impresso com letras brancas e garrafais num fundo vermelho, o cartaz proclama: “Minas agora é do PT”. Depois de uma década de hegemonia política no estado, Aécio Neves e o seu Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) correm o risco de perder não apenas o governo de Minas, mas também a própria eleição no estado para a presidência do Brasil. Vítima de excesso de confiança na devoção dos seus eleitores à sua figura e de erros estratégicos na escolha do candidato para o governo estadual, Aécio está a um passo de ceder o pódio do segundo mais poderoso estado do Brasil a Dilma Rousseff, uma mineira de origem que fez um trabalho de formiguinha no bastião do PSDB até conseguir aparecer à frente do seu adversário nas sondagens para a presidência.

Ganhar em casa tornou-se para Dilma e para Aécio não apenas uma questão simbólica, mas uma necessidade para poder aspirar a uma vitória nas eleições. Minas Gerais, com uma população de 19.5 milhões de habitantes e um território 6.3 vezes maior que o de Portugal, representa 9,3% da riqueza do país (PIB) e 10,6% dos eleitores. São Paulo vale o triplo dos votos (32%), mas o domínio dos dois principais colégios eleitorais do país é uma base sólida para qualquer candidato com pretensões. Dilma Rousseff percebeu desde o princípio a importância de Minas para a sua estratégia e, nota Paulo Victor Melo, investigador em ciência política na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, “durante a campanha toda veio cá uma vez por semana”. Aécio, pelo contrário, “achava que a sua vitória aqui estava garantida e sentou-se em cima de São Paulo”. Foi um erro.

De acordo com as últimas sondagens, o improvável pode mesmo acontecer: Dilma e o PT estão prestes a conquistar o governo do Estado e a presidente pode mesmo ganhar ao seu rival Aécio na eleição presidencial. Os inquéritos do Ibope mostram que Dilma lidera a corrida com 32% e Aécio fica com 31% (Marina fica pelos 20%). E os estudos da Datafolha revelam que as intenções dos mineiros expressas em votos válidos (sem nulos e brancos) apontam para uma vitória de Dilma por uns concludentes 42% contra 34%. O domínio absoluto do Estado por parte de Aécio Neves desde 2002, quando se fez eleger e se afirmou como o candidato presidencial do futuro, está em crise.

“Aécio esperava ganhar em Minas por uma diferença de quatro milhões de votos”, diz Paulo Victor Melo (o número de eleitores do estado ronda os 15 milhões). “Não vai conseguir”. Por várias razões. Em primeiro lugar porque a partir do momento em que se anunciou como candidato presidencial, o balanço dos seus mandatos como governador, entre 2002 e 2008, deixou de ser avaliado apenas pela imprensa local, que a irmã de Aécio, Andreia, sempre soube apaziguar, para merecer a atenção da poderosa imprensa paulista. Jornais como o Folha e o Estado de São Paulo “denunciaram casos de corrupção e desmistificaram Aécio com o gestor”, diz o investigador da UFMG. A sua aura como “novo fundador” de Minas, o político que pega num estado falido e o recoloca no mapa ainda garantem a Aécio Neves um estatuto especial em Minas, mas a crença de que podia viver desse legado estava errada. Com o crescimento de Dilma nas sondagens, Aécio teve de regressar a Minas e lutar pelo prejuízo.

Nos últimos dias, os mineiros puderam vê-lo e ouvi-lo várias vezes. Na sua cidade natal, São João del Rei, onde baptizou os filhos gémeos, anunciou: “Minas tem a possibilidade hoje de nos dar a grande vitória no Brasil se a nossa candidatura avançar na próxima semana cinco ou seis pontos em Minas, o que acredito que é possível”, disse após a cerimónia familiar que decorreu no solar dos Neves. “A virada [mudança] tem que se dar em Minas Gerais. É em Minas e de Minas que vamos mostrar ao Brasil que, depois de 60 anos, nós teremos um presidente da República eleito pelo voto directo”, declarou, fazendo a ponte com a memória do mineiro Juscelino Kubitchek, um dos presidentes mais queridos dos brasileiros. Aécio regressaria esta semana para perguntar ao Governo de Dilma por que razão a fábrica da Fiat, prometida para Minas, vai agora para Pernambuco.

Metódica, rotineira e implacável, a campanha de Dilma semeou durante os últimos meses e não necessita agora de correr contra o tempo. Por definição, o estado é conservador e entre os mineiros subsiste ainda um ténue sentimento de culpa pelo compromisso do estado com a Ditadura Militar (1964-1985) – o golpe militar partiu da cidade mineira de Juiz de Fora. Mas o PT tem nas suas manchas industriais uma história longa e arreigada. “Minas é um dos braços fundadores do PT, o partido implantou-se e cresceu em áreas industriais, onde há sindicatos, como Ipatinga, base da Vale [uma das maiores mineradoras do mundo]”, diz Paulo Victor Melo. A prova desse pioneirismo comprova-se pelo facto de o PT ter conquistado o município da capital do estado em 1992, dez anos antes de Lula chegar ao poder. Entre 2000 e 2008 a prefeitura foi ocupada por Fernando Pimentel, actual candidato do partido ao governo do Estado. Curiosamente, o actual prefeito, Márcio Lacerda, conquistou o lugar através de uma aliança improvável entre Aécio e Fernando Pimentel.

Ao contrário do que seria de esperar num estado com tanta identidade e tradição política, a “mineiridade” conta menos no momento do voto do que a solidez dos partidos ou o perfil dos candidatos. Aécio tem tentado usar esse sentimento de pertença para conquistar eleitores. Para todos os efeitos, ele, muito mais do que Dilma, que depois da sua militância na luta armada nos tempos da ditadura fez carreira fora de Minas, é quem melhor protagoniza o brilho e o orgulho do estado na política nacional. Num acto falhado no decorrer do debate da TV Record, Dilma falou de Segurança, voltou-se para Aécio e acusou-o de ter falhado no “seu estado, Minas Gerais”. Aécio retorquiu: “esqueceu-se que também é mineira?”.

Mas “os mineiros não votam por um sentimento de ‘mineiridade’, não há nenhum nacionalismo mineiro”, garante Paulo Victor Melo. O facto de Aécio ser um membro de um clã político com peso histórico em Minas, é igualmente desvalorizado pelo cientista político: “Minas não é Pernambuco ou o Maranhão, é um estado mais desenvolvido, com uma sociedade mais plural. Os Neves não têm aqui o poder que os Arraes [família do candidato Eduardo Campos, que faleceu num acidente aéreo a 13 de Agosto) têm em Pernambuco ou os Sarney no Maranhão”.

Ainda assim, no combate pelo governo do Estado, esse sentimento de pertença faz parte da agenda. Na noite de terça-feira, momentos antes do início do debate entre os candidatos ao governo do estado nos estúdios da TV Globo, os apoiantes do PT gritavam para a pequena multidão de seguidores do candidato do PSDB, Pimenta de Veiga: “Volta para Goiás, volta para Goiás”. Pimenta da Veiga, mineiro, viveu os últimos 20 anos entre Goiás, onde tem fazendas, e Brasília, onde exerce advocacia. Escolha pessoal de Aécio, Pimenta da Veiga não tem resistido a estas críticas nem se tem conseguido impor na campanha ao seu adversário Fernando Pimentel. No debate televisivo, contra uma pose serena, segura e confiante do candidato do PT, Pimenta da Veiga exibiu nervosismo e agressividade – chegou a chamar “mentiroso” e “tonto” ao seu adversário. De acordo com as últimas sondagens, Pimentel leva 20 pontos de vantagem sobre o seu adversário e tem fortes hipóteses de se fazer eleger no primeiro turno. Na semanada passada, em declarações a O Globo, Aécio assumiu: "Poderia ser melhor. Acho que a campanha errou".

Vítima de excesso de confiança, penalizado por ter escolhido um candidato incapaz de fazer frente a um adversário do qual é amigo e a quem reconhecia méritos, Aécio pode desbaratar nesta eleição o capital político que o tornou imbatível no segundo mais poderoso estado do país. Depois de ter sido reeleito para o cargo de governador em 2006 com uns expressivos 77% dos votos e de ter abandonado o cargo em 2008 para concorrer para o senado deixando como rasto uma taxa de aprovação superior a 70%, Aécio vive o duro dilema de perder Minas e de falhar a corrida pela presidência. O seu “choque de gestão” que transformou o estado e o elevou para o estrelato da política nacional não impressiona o eleitorado nacional e os seus erros e excesso de confiança podem desbaratar o capital político que acumulou em Minas.

Pelo contrário, Dilma, que já ganhara as presidenciais em 2010 a José Serra, do PSDB, por 56% contra 43.9%, arrisca-se não só a ver o seu ex-companheiro da luta armada Fernando Pimentel a conquistar Minas para o PT como a bater o seu adversário Aécio no seu próprio terreno. Se Dilma ganhar as eleições, como todas as sondagens indicam, sem Minas no pecúlio, será muito mais difícil a Aécio obter a nomeação do partido para uma segunda tentativa de conquista da presidência. Na frente nacional ou na frente estadual, o candidato do PSDB pode conhecer este domingo o seu ocaso político.  

O regresso do “café com leite”
A República Velha no Brasil acabou com um golpe que levaria pela primeira vez ao poder o gaúcho (do Rio Grande do Sul) Getúlio Vargas, mas os vestígios da política “café com leite”, que garantia a divisão do poder entre políticos dos estados de São Paulo e de Minas Gerais, ainda persistem nas eleições de 2014. Das três principais candidaturas à conquista da presidência, duas, a de Dilma Rousseff, do PT, e de Aécio Neves, do PSDB, continuam a cultivar as artes de equilíbrio entre os dois mais poderosos estados da política do país. Dilma e Aécio são mineiros, (há um terceiro candidato de Minas, Levy Fidelix, que se destacou pela sua pose homofóbica num debate na televisão) mas os seus candidatos a vice-presidente, Michel Temer e Aloysio Nunes, são paulistas. Nesta disputa, a candidatura de Marina Silva é mesmo uma alternativa ao padrão do balanço do poder em Brasília: Marina é do remoto estado do Acre e o seu vice, Beto Albuquerque, vem do Paraná.

Dizer que os mineiros mandam no Brasil em conluio com os paulistas não é, no entanto, comprovável com a maioria dos presidentes que, depois de 1930, ocuparam o poder no Rio de Janeiro e, depois de 21 de Abril de 1960, em Brasília. Juscelino Kubitchek, que governou entre 1956 e 1961, era um mineiro de Diamantina, uma pequena cidade do interior do estado perto de São João del Rei, onde nasceram Tancredo Neves, a personalidade fundamental da transição da ditadura para a democracia em 1985, e o seu neto Aécio. Mas Getúlio e João Goulart eram gaúchos, Collor de Mello de Alagoas, José Sarney do Maranhão e Lula nordestino de origem – embora tenha construído a sua imagem política no coração industrial do país, em São Paulo, estado de onde são igualmente originários o efémero e histriónico Jânio Quadros e Fernando Henrique Cardoso.

Já durante a Ditadura Militar, Castello Branco era de Fortaleza, Ceará, Costa e Silva, Emídio Médici e Ernesto Geisel do Rio Grande do Sul e João Baptista Figueiredo carioca.

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