Após o sismo, trabalhistas e conservadores tentam arrumar os escombros

Se nos tories o nome de Boris Johnson não é tão consensual como se pensava, a liderança de Jeremy Corbyn nos trabalhistas entra num momento crítico. Imune às divisões, a Escócia segue caminho.

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Há quem não veja em Boris Johnson a figura ideal para suceder a David Cameron. Peter Nicholls/Reuters

A notícia na sexta-feira de que os britânicos tinham escolhido sair da União Europeia atingiu os dois grandes partidos com um estrondo. Os dois líderes fizeram campanha pela permanência e o senso comum indicava que ambos haviam que lidar com as consequências. David Cameron estava mais exposto e anunciou imediatamente que se demitia do cargo de primeiro-ministro, deixando-o à disposição do partido, que já começou a debater quem deve ser o seu sucessor.

Poucos duvidam em apontar para o ex-mayor londrino, Boris Johnson, como o homem mais forte na corrida. Foi ele quem liderou o movimento eurocéptico do partido, seguido de perto pelo ministro da Justiça Michael Gove. Muitos tories acreditam que os dois podem avançar com uma “candidatura de sonho” — termo entretanto vulgarizado pela imprensa britânica para a sua aliança —, somando o apelo popular de Johnson à mente estratégica de Gove.

Mas mesmo a “candidatura de sonho” não é consensual. “Não assumam que [Johnson] é necessariamente o menino querido da base partidária”, disse este sábado Alan Duncan, que, como outros conservadores que querem travar o crescimento de Boris Johnson, sugere o nome da actual ministra da Administração Interna, Theresa May, como uma alternativa ao antigo presidente da câmara de Londres.

Alan Duncan — antigo ministro e defensor da permanência — é por enquanto a única voz entre os tories a pôr em causa o favoritismo de Johnson. Segundo ele, o próximo líder do Partido Conservador não deve ter assumido uma posição tão combativa ao longo do referendo, já que isso pode significar uma divisão entre as alas eurocéptica e europeísta. “Se olharmos pela óptica do referendo, isso na verdade restringiria a forma como olhamos para nós próprios”, disse Duncan à BBC.

Mas a luta realmente fracturante está no seio dos trabalhistas. Ao contrário de Cameron, Jeremy Corbyn não reclamou culpas pela derrota da permanência, mesmo depois de perder o voto nos bastiões tradicionais do seu partido. Enfrenta agora uma moção de censura, que será votada em segredo pelo seu grupo parlamentar na segunda-feira e que, mesmo não sendo vinculativa, pode dar início a uma contestação interna mais poderosa.

De acordo com o Observer — do grupo do diário Guardian —, o ministro sombra dos Negócios Estrangeiros começou uma campanha no Partido Trabalhista para angariar apoios que possam forçar uma demissão de Jeremy Corbyn, que nunca conseguiu ser consensual e que agora enfrenta uma ala crítica motivada pela possibilidade de eleições antecipadas — caso o sucessor de David Cameron queira ganhar legitimidade por essa via.  

Corbyn respondeu pela primeira vez às críticas internas este sábado, prometendo que não se afastaria em caso de um ataque à sua liderança. “Estou aqui”, afirmou. “Sim, há algumas pessoas no Partido Trabalhista, especialmente no grupo parlamentar, que provavelmente querem outro líder — acho que já o tornaram abundantemente claro ”, ripostou, numa conferência de imprensa em que pôs em cima da mesa o seu maior trunfo: um abaixo-assinado online em que 140 mil pessoas pedem que continue à frente do partido.

Escócia segue caminho

Enquanto os partidos tradicionais na Inglaterra se embrenham em lutas internas, o Partido Nacionalista Escocês (SNP) segue no caminho inverso, conquistando sectores tradicionalmente unionistas na sua campanha para preservar o lugar da Escócia na União Europeia, mesmo que isso implique um segundo referendo pela independênciaO próprio comité executivo do Partido Trabalhista Escocês apontou pela primeira vez para a possibilidade de apoiar a causa independentista, ao admitir que os escoceses devem “considerar todas as opções” no que diz respeito à sua relação com o resto do país.

O governo liderado por Nicola Sturgeon prepara a luta pela continuidade europeia em duas frentes. Neste sábado, a primeira-ministra anunciou a intenção de começar “imediatamente” uma campanha própria de negociações com instituições europeias, destinada a preservar os benefícios de uma ligação próxima com Bruxelas, algo que o eleitorado escocês defende avassaladoramente — no referendo desta semana, 62% votaram pela permanência na UE. O primeiro contacto está marcado para segunda-feira, durante o encontro entre um dos ministros de Sturgeon e o comissário europeu para a agricultura.

Não é líquido que a Escócia possa negociar individualmente uma nova relação com Bruxelas. A Comissão Europeia já o recusou para a cidade de Londres, mas não se pronunciou ainda sobre a possibilidade de o fazer com os escoceses. Em todo o caso, Sturgeon e os nacionalistas preparam uma segunda frente, na forma de um segundo referendo para a independência. “É claramente uma opção que deve estar em cima da mesa, e está claramente em cima da mesa”, sublinhou a líder do SNP, que em 2014 perdeu o voto pelo corte com o Reino Unido, mas que agora vê um novo caminho, capitalizando com mesmo sentimento europeísta escocês que jogou contra si há apenas dois anos. 

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