Hillary Clinton culpa director do FBI pela derrota

O choque inicial com os resultados eleitorais está a passar e começam a fazer-se balanços para perceber o que correu mal. Como escapou uma vitória que se acreditava estar segura?

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AFP/JUSTIN SULLIVAN

Depois de passar pela negação e a fúria, as duas primeiras etapas do modelo de Kübler-Ross de gestão emocional da perda e do luto, a campanha presidencial de Hillary Clinton e o Partido Democrata entraram agora na fase da “negociação”, à procura de respostas para a pesada derrota eleitoral sofrida na passada terça-feira. E por respostas leia-se, também, culpados: além de explicações, busca-se alguém a quem se possa apontar o dedo para arcar com a responsabilidade pelo desaire.

A resposta óbvia, e aquela que é politicamente mais relevante, é que o fracasso foi de Hillary Clinton – que, afinal, era a pessoa errada, com a mensagem errada, para vencer num ciclo de mudança como era este. Ao contrário das expectativas dos seus conselheiros, a sua longa carreira política e a sua reputação de pragmática e trabalhadora não se traduziram em competência e credibilidade, com a polémica à volta dos seus e-mails a introduzir um ruído constante na campanha.

Para muitos liberais, essa é a chave da derrota. Uma parte considera que foi o director do FBI, James Comey, o principal responsável pela derrocada de Clinton na recta final da campanha. “Afectou-nos muito”, concedeu Jennifer Palmieri, a directora de comunicação da candidatura de Clinton, numa conferência telefónica. Segundo a sua avaliação, a carta do chefe do FBI ao Congresso, a dar conta da reabertura da investigação após a descoberta de novos e-mails suspeitos, “alimentou as dúvidas e as desconfianças” contra Hillary e desmotivou a sua base de apoiantes.

Segundo a Reuters, a própria Hillary Clinton culpou o director do FBI pela derrota numa conferência telefónica com financiadores realizada neste sábado. De acordo com o relato de dois participantes, a democrata terá dito que Trump aproveitou os dois anúncios de Comey a seu favor: primeiro, usando a reabertura da investigação para a atacar; e depois, quando Comey a ilibou de responsabilidade, reforçando a ideia dos republicanos de que o sistema estava manipulado a favor da democrata.

"Há muitas razões para uma campanha como esta não ser bem-sucedida", terá dito Clinton, segundo um financiador citado pelo New York Times. "[Mas] a nossa análise é que a carta de Comey levantou dúvidas que não tinham justificação, nem base, nem provas, e parou o nosso momentum".

E se nas hostes liberais ainda há uma certa relutância em responsabilizar directamente Hillary Clinton pelas fragilidades da candidatura, têm sido várias as críticas à estratégia seguida pela sua campanha, que na opinião de David Axelrod, que foi chefe da campanha de Obama, cometeu um erro fundamental: focar demasiado a mensagem no ataque a Donald Trump, confiando que a retórica divisiva, xenófoba, racista e misógina do republicano afastasse os eleitores.

Para Axelrod, as críticas ao carácter e temperamento do adversário deveriam ser apenas o aperitivo nos discursos de Clinton. O prato principal tinha se ser outro: um argumento político mais poderoso contra as propostas do rival e uma explicação mais convincente de como só as suas políticas respondiam, de forma razoável e credível, aos anseios e aspirações do eleitorado democrata, dos independentes e dos republicanos moderados incomodados com a campanha de Trump. “Houve uma assumpção de que a antipatia contra Trump seria suficiente para mobilizar as tropas. Mas havia uma certa letargia [entre as bases democratas] depois de oito anos na Casa Branca, e o nível de entusiasmo nunca foi grande”, disse ao The Washington Post.

Outros veteranos das lides eleitorais contestam ainda a distribuição de recursos de campanha baseada nas indicações erradas das sondagens, que sugeriam a possibilidade de conquista de território republicano. “Porquê fazer comícios no Arizona? Esse estado não era essencial. Mas o Michigan e a Pensilvânia eram. Essa era a sua fortaleza, e tinha de ser reforçada”, criticou Lou D’Allesandro, um legislador democrata do New Hampshire, no mesmo diário.

Num artigo para o The New York Times intitulado O que é que não percebi sobre esta eleição, David Plouffe, o estratega que esteve por detrás das campanhas de Barack Obama, enumerou alguns dos factores que, vistos à curta distância de cinco dias desde a votação presidencial, parecem ter contribuído para o surpreendente desfecho: a elevada abstenção, que para Hillary Clinton foi mais prejudicial, uma vez que grande parte do eleitorado democrata não foi às urnas; o voto rural e suburbano, que acabou por equilibrar as margens das grandes cidades; a dispersão de votos em candidatos de terceiros partidos, particularmente no libertário Gary Johnson; os erros nos modelos probabilísticos e estatísticos, e nos dados das sondagens que estiveram na base das decisões de campanha de Clinton e do Partido Democrata.

Mas a conclusão mais importante do analista é de natureza quase filosófica. “Esta era realmente uma eleição de mudança; os eleitores falavam a sério quando diziam que era isso que pretendiam. E só havia um candidato que representava a mudança” – o republicano Donald Trump, que acabou por ser eleito.

Notícia actualizada às 20h21 com a informação de que Cinton culpa o director do FBI pela derrota.

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