Declarações incendiárias aceleram a irresistível marcha para nova Intifada

Primeiro-ministro israelita diz que líder da Autoridade Palestiniana não é um parceiro na luta contra o terrorismo. Abbas acusa Israel de arrastar região para uma "guerra religiosa". Mais um palestiniano morto na Cisjordânia

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Funeral do palestiniano que foi morto pelo Exército israelita durante um protesto em Hebron Ammar Awad/Reuters
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Funeral do soldado israelita que foi esfaqueado em Telaviv Baz Ratner/reuters

A situação deteriora-se rapidamente: os israelitas voltam a sair à rua com medo de atentados, as mortes sucedem-se nas batalhas de rua que se espalharam de Jerusalém às cidades árabes e à Cisjordânia – nesta terça-feira mais um palestiniano foi morto pelo Exército israelita durante um protesto em Hebron. “É a terceira Intifada”, sussurra-se um pouco por todo o lado, enquanto os dirigentes israelitas e palestinianos se desdobram em declarações incendiárias, mais interessados nas suas lutas internas do que em apaziguar a tensão.

Reagindo aos dois ataques de segunda-feira, que se seguem a dois atropelamentos mortais e à tentativa de assassínio de um activista de direita, tudo em menos de um mês, o Governo israelita ordenou um reforço da segurança em todo o território, colocando mais polícias na ruas e pedindo à população para se manter atenta “a qualquer veículo ou indivíduo suspeito”. Enviou também novos batalhões militares para a Cisjordânia, com ordens para darem prioridade ao patrulhamento das estradas que ligam os colonatos.

Foi numa delas que, ao final da tarde de segunda-feira, um palestiniano residente em Hebron, militante da Jihad Islâmica, lançou a carrinha que conduzia contra uma paragem de autocarros. Não tendo atingido ninguém, saiu do veículo e esfaqueou três pessoas que estavam no local – Dalia Lemkus, residente num colonato vizinho, teve morte imediata. Pouco depois, o militar que tinha sido esfaqueado pela manhã no centro de Telavive por um palestiniano oriundo de Nablus, também na Cisjordânia, morria no hospital.

Seguindo o ritual habitual, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, ordenou a demolição das casas dos dois atacantes e o jornal Jerusalem Post confirmou que familiares de um e de outro foram detidos. O gabinete de segurança foi convocado para uma nova reunião, na tarde desta terça-feira, mas é pouco provável que a mão pesada prometida para “erradicar o terrorismo” estanque a violência que germina há meses. Até porque os acontecimentos no terreno continuam a deitar gasolina para o fogo.

Imad Jawabreh, um palestiniano de 22 anos, morreu nesta terça-feira ao ser atingido por disparos durante uma manifestação num campo de refugiados junto a Hebron. O Exército alega que os soldados tentavam dispersar manifestantes armados com cocktail-Molotov e pedras; vizinhos afirmam que Jawabreh estava num terraço distante dos protestos quando foi baleado no peito. Foi por causa de uma outra morte – a de um árabe israelita baleado pela polícia durante protestos na Galileia – que a violência, que durante semanas esteve concentrada em Jerusalém, alastrou nos últimos dias, reforçando os receios de que a região esteja prestes a viver uma nova Intifada.

O líder da última revolta palestiniana, iniciada em 2000, lançou nesta terça-feira um apelo nesse sentido. Da prisão onde cumpre quatro penas perpétuas, Marwan Barghouthi escreveu uma carta na qual diz que “a escolha pela resistência armada” é imperativa face à actual escalada e em que desafia a Autoridade Palestina a suspender toda a cooperação de segurança com Israel

Política e religião
A actual situação, coincidem todas as análises, torna-se mais explosiva porque, ao contrário de outros surtos recentes de violência, não há no horizonte qualquer perspectiva de um reinício das negociações de paz, interrompidas em Abril. Sem qualquer incentivo ao compromisso, tanto Netanyahu como o líder da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, trocam a prudência por discursos para consumo interno, recheados de provocações. Uma tendência agravada pelo facto de tanto um como o outro serem alvo de críticas internas.  

Netanyahu está já em  pré-campanha – as legislativas estão previstas para 2017, mas as fracturas multiplicam-se na coligação e a maioria dos analistas acredita que elas vão acontecer no prazo de seis meses. “Ele vendeu sempre a imagem de um líder forte e agora os terroristas estão a desafiá-lo, na mesma altura em que o sector mais à direita do seu governo o acusa de impotência”, sublinha Amos Harel, especialista em segurança do jornal Ha’aretz, para explicar por que têm sido tão escassos os apelos de Netanyahu à calma. Nesta terça-feira, na mesma intervenção em que disse que os “árabes israelitas são cidadãos com direitos e deveres iguais aos outros”, acusou Abbas de “não ser um parceiro na luta contra o terror” que “provou a sua irresponsabilidade” ao “espalhar mentiras” e incitar à violência.

O líder da Autoridade Palestiniana não foi mais conciliador. Aproveitando o décimo aniversário da morte de Yasser Arafat, em que trocou acusações com o Hamas, Abbas acusou Israel de “arrastar a região e o mundo para uma guerra religiosa” ao dar ouvidos aos que defendem o direito dos judeus a rezar no Pátio das Mesquitas (por eles denominado Monte do Templo). O local é epicentro das tensões religiosas em Jerusalém e, apesar de Netanyahu insistir que não pretende alterar o status quo, também não criticou os deputados da direita, incluindo do seu partido, que nas últimas semanas visitaram a zona.

Deslocações que os palestinianos vêem como provocações e que criam um factor adicional de desestabilização. Harel sublinha que os ataques das últimas semanas não diferem muito de outros registados em anos anteriores. “A diferença está na importância crescente do elemento religioso no conflito israelo-palestiniano, com a tensão em redor do Monte do Templo a alimentar consistentemente as chamas do conflito”.  

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