Debate sobre amnistia agudiza crise na Ucrânia

Ex-Presidente alerta para perigo de “guerra civil” no país e eurodeputada Ana Gomes fala de dois lados “muito entrincheirados”. Lei da amnistia não reúne consenso no Parlamento.

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Manifestantes permanecem na Praça da Independência Aris Messinis/AFP

O debate desta quarta-feira sobre a concessão de uma amnistia aos detidos durante as manifestações na Ucrânia demonstrou que o caminho para a saída da crise política será longo. A amnistia só será concedida depois da desocupação de todos os edifícios públicos pelos manifestantes.

A sessão parlamentar começou com um emotivo discurso do ex-Presidente, Leonid Kravchuk, a apelar aos deputados para agirem com a “maior responsabilidade”, deixando o aviso de que a Ucrânia está “à beira da guerra civil.” O dramatismo adoptado pelo primeiro chefe de Estado pós-independência do país teve o objectivo de sensibilizar todos os partidos para o debate que iria dominar a jornada e que prometia não ser fácil.

Aplaudido de pé por todo o Parlamento, depressa os apelos de Kravchuk foram esquecidos, com a oposição e a maioria a iniciarem uma sessão que se arrastou ao longo do dia. A discórdia era conhecida: o Partido das Regiões (maioritário) queria que a amnistia fosse concedida apenas depois da evacuação dos edifícios públicos ocupados nos últimos dias; para a oposição, a libertação dos detidos durante as manifestações devia ser o primeiro passo.

A falta de acordo em torno de uma das reivindicações mais importantes para a oposição é um grande revés para as negociações com o Presidente, Viktor Ianukovitch – inesperadamente presente na sessão – e pode até voltar a incendiar as manifestações. Depois de um longo debate, a proposta do Partido da Regiões foi aprovada sob protestos dos deputados da oposição, que se abstiveram.

Nesta qurta-feira, depois de um encontro com Ianukovitch, a chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Catherine Ashton, apelou ao fim da “violência e das intimidações” e desejou que as negociações entre a oposição e o poder fossem “um verdadeiro diálogo.”

Em Kiev está também um grupo de eurodeputados, onde se inclui a portuguesa Ana Gomes. Em declarações ao PÚBLICO, a eurodeputada socialista descreveu um ambiente de “muita tensão, mas também de normalidade "em alguns aspectos". "As entradas para o Parlamento estão barricadas pela polícia, o que faz um bocado de impressão”, afirmou. Nos contactos que estabeleceu nos últimos dois dias, Ana Gomes encontrou os dois lados “muito entrincheirados nas suas posições.”

Para a deputada europeia existem dois cenários possíveis: “Ou há um confronto com sangue ou há uma transição negociada.” No momento actual, Ana Gomes considera que “os manifestantes não aceitam nada que não seja um horizonte eleitoral.”

Com a demissão do Governo na terça-feira, cabe a Ianukovitch a indicação de um novo Executivo, o que deverá acontecer nos próximos 60 dias. No entanto, até ao final da semana já deverão ser conhecidos alguns pormenores sobre a sua constituição, incluindo “se se vai tratar de um Governo tecnocrata, que terá um papel de transição, ou se será um Governo político”, esclareceu o deputado Anatoli Miroshnichenko, próximo do Presidente.

O que parece certo é que o futuro Governo não deverá contar com a participação dos partidos da oposição. Depois do anúncio da queda do Governo, os líderes do Udar e do Svoboda (Liberdade) garantiram não haver hipótese em integrarem o novo Executivo.

Nas ruas, o dia foi calmo com a excepção de um confronto entre dois grupos de manifestantes, algo inédito desde o início dos protestos. Cerca de 200 pessoas tentaram remover os activistas que ainda ocupavam o Ministério da Agricultura, no centro de Kiev. O edifício tinha sido tomado na sexta-feira por membros do movimento Causa Comum (Spilna Sprava), considerado um dos mais radicais. A imprensa local afirmou que os manifestantes que retiraram os ocupantes do ministério eram próximos do partido Svoboda. A acção estaria relacionada com as negociações sobre a amnistia, que decorriam à mesma hora.

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