Se a Turquia não ajudar Kobani, curdos ameaçam romper negociações de paz

"Vamos mobilizar as guerrilhas”, ameaça líder curdo, que não aceita decisão de Ancara de não se envolver directamente na guerra contra o Estado Islâmico. EUA já disseram que prioridade é o Iraque, não a Síria.

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Curdos da Turquia olham para os combates em Kobani, do outro lado da fronteira Umit Bektas/Reuters

Os curdos estão a ficar impacientes. Centenas de pessoas, na maioria idosos, estão em risco de ficar isolados e de serem massacrados pelos combatentes do auto-intitulado Estado Islâmico na cidade de Kobani, Síria. É mesmo ao lado da Turquia, mas Ancara não está a fazer nada. Mais, alguns curdos suspeitam mesmo de que os turcos estão secretamente contentes por alguém estar a atacar os curdos na Síria.

Enquanto os combates continuam em Kobani, e em força, e os EUA já disseram que a cidade curda da Síria não é uma prioridade – o foco continua a ser o Iraque, onde o EI continua a consolidar e a avançar o seu controlo na província de Anbar, o que lhes pode deixar aberta uma via para Bagdad –, os curdos sentem-se abandonados.

“Irão os curdos – os combatentes em quem mais se pode confiar para combater o ISIL [acrónimo do anterior nome do Estado Islâmico] – ser agora sacrificados no altar dos cálculos políticos?”, perguntava num artigo na Al-Jazira Kani Xulam, da American Kurdish Information Network, com sede em Washington, DC.

No domingo, parecia que se tinha aberto uma brecha para uma ajuda da Turquia: responsáveis americanos diziam que Ancara tinha concordado em permitir a utilização das suas bases aéreas perto da Síria – especialmente uma a pouco mais de 150 quilómetros de Kobani – para a ofensiva aérea contra os combatentes jihadistas. Nesta segunda-feira, os turcos diziam que as negociações ainda não tinham sido concluídas.

Os curdos querem mais: querem conseguir fazer passar armas através da Turquia. Como dizia um comandante local ao Los Angeles Times: “Não podemos fazer parar um tanque com uma Kalashnikov.”

Os combates sucedem-se e dia após dia, a queda de Kobani, que parecia iminente, é adiada. No domingo, os combatentes curdos conseguiram repelir um ataque que durava há dois dias no centro da cidade. Mas sem ataques aéreos mais incisivos e sem que cheguem mais armas e munições, “talvez a situação mude outra vez”, disse um comandante curdo ao New York Times.

Este comandante diz que Kobani não é só Kobani. E se a Turquia continuar de braços cruzados enquanto se prepara um massacre, os curdos porão em causa as negociações de paz. Cemil Bayik, fundador e líder do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), disse muito claramente ao New York Times: “Não pode continuar a haver negociações num ambiente em que querem criar um massacre em Kobani”, declarou. E deixou no ar uma ameaça: “Vamos mobilizar as guerrilhas.”

A situação é pouco promissora: na semana passada, os curdos protestaram na rua contra a posição de Ancara, acusando as autoridades turcas de conivência com o EI. Também não ajudaram as declarações recentes do Presidente Recep Tayyip Erdogan, dizendo que, “para a Turquia, o PKK e o EI são a mesma coisa – precisamos de lidar com os dois em conjunto”.

Uma raiva nunca vista
As manifestações de curdos na Turquia foram brutalmente reprimidas, 31 pessoas morreram, seis cidades ficaram sob lei marcial. A violência na rua foi para além da Turquia: até na Alemanha houve confrontos entre curdos e islamistas, nas cidades de Hamburgo e Celle, com 23 feridos, dos quais quatro em estado grave.

Num dos protestos de curdos em Istambul, um dos manifestantes garantia: “O processo de paz acabou.” Sem querer dar o nome por medo de retaliações das autoridades, garantia ao New York Times: “Não pode haver paz enquanto se ignora Kobani.”

Nos cálculos de Erdogan poderia pesar que, para os seus planos para a Turquia – mudar a Constituição para obter mais poderes para a presidência, que ocupa – precisa de apoio dos partidos curdos.

As três décadas de insurreição curda deixaram mais de 40 mil mortos na Turquia. Há quem diga que um recomeço seria muito pior do que o que foi visto até agora. “Se as pessoas forem de novo para a rua, vai ser muito pior do que nos anos 1990”, dizia à Reuters Ihrahim, 29 anos, fumando cigarro atrás de cigarro em Diyarbakir, na zona curda da Turquia. “Estas pessoas não têm mesmo medo de morrer.

Um polícia na zona disse em 20 anos na região nunca tinha visto tanta raiva nos manifestantes. “Atacam como se não tivessem nada a perder. 

Quanto aos EUA, mesmo que a América diga que Kobani não é a prioridade, se o EI conseguir tomar a cidade poderá dizer que o fez apesar dos ataques aéros que lançou. “Julgar a coligação pelo que acontece apenas numa pequena cidade no Norte da Síria é ligeiramente injusto”, disse Shashank Joshi, do Royal United Services Institute de Londres, à Reuters. “Mas acho que vai diminuir a confiança na coligação e vai causar muita preocupação sobre a possibilidade dos EUA conseguirem realmente parar este movimento.”

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