O motim trabalhista avança, mas Corbyn não recua

Uma esmagadora maioria dos deputados trabalhistas anunciou publicamente não confiar no seu líder. Mas Corbyn não se demite e pode até vencer.

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Corbyn recusa demitir-se por acreditar que tem o apoio das bases partidárias. Daniel Leal-Olivas

Não é segredo que Jeremy Corbyn nunca foi adorado por outros altos-responsáveis trabalhistas ou pelo seu próprio grupo parlamentar. Isso tornou-se público com o motim iniciado durante o fim-de-semana para o afastar da liderança e fez-se oficial com a moção de desconfiança votada esta terça-feira. Corbyn teve o apoio de apenas 40 deputados trabalhistas contra 172 que disseram não ter confiança no seu mandato e exigem que se demita.

A moção de desconfiança não pode forçar a demissão de Corbyn, mas dá o tiro de partida para uma disputa interna de liderança que deve ganhar forma nos próximos dias. A ala crítica aproveitou o rescaldo do voto pela saída da União Europeia para culpar Corbyn pelos resultados desastrosos em alguns bastiões trabalhistas, dizendo que o seu líder se dedicou pouco à campanha — argumento sustentado por organizações que se mobilizaram pela permanência.

Ao longo dos últimos três dias, grandes e pequenos nomes trabalhistas usaram estas e outras alegadas falhas de Corbyn — falta de liderança, posições fracturantes — para anunciarem em catadupa as suas demissões do governo-sombra. A sua equipa perdeu cerca de 40 pessoas desde domingo, dia em que Corbyn demitiu o deputado Hilary Benn, quando este tentava mobilizar apoios para o derrubar. As demissões de ministros-sombra prosseguiram esta terça-feira.

A moção prova para lá das dúvidas de que o movimento anti-Corbyn tem mais do que os 50 deputados de que precisa para iniciar uma eleição interna. O jogo de bastidores já começou e esta terça-feira os grandes candidatos multiplicavam-se em encontros: a favorita ao lugar de líder é Angela Eagle, ex-ministra-sombra dos Negócios, da esquerda moderada; mas o vice-líder e veterano trabalhista Tom Watson também é uma hipótese.

Mas Corbyn recusa afastar-se e nada garante que saia derrotado numa competição interna. Ele sabe que pode contar com o apoio das bases partidárias, activistas e grandes sindicatos, que esta terça-feira disseram continuar a apoiá-lo e que, juntos, têm o dinheiro e a mobilização necessários para vencer um concurso pela liderança. Foi com esta aliança que Corbyn surpreendeu o aparelho trabalhista em 2015, arrebatando quase 60% dos votos.

“Não os vou trair demitindo-me”, argumentou Corbyn, num comunicado publicado minutos depois de terem sido anunciados os resultados da moção de desconfiança. “O voto dos deputados não tem legitimidade constitucional. Somos um partido democrático, com uma constituição clara. A nossa população precisa que os militantes trabalhistas, sindicalistas e deputados se unam na minha liderança neste momento crítico para o nosso país.”

Mas existe um grande senão para Corbyn. A sua equipa acredita que, como líder, não precisa de reunir o apoio de 50 deputados trabalhistas para ser candidato à liderança — o que, para ele, dada a revolta no grupo parlamentar, seria muito difícil — mas os estatutos do partido parecem dizer o contrário. Na última eleição interna, Corbyn conseguiu à risca o apoio de 35 deputados para entrar nos boletins de voto, e alguns só o fizeram acreditando que nunca venceria.

Multiplicam-se imagens de como a liderança trabalhista parece estar a improvisar uma saída da crise, que decorre num momento em que se esperava que capitalizasse com a corrida pela sucessão do primeiro-ministro no Partido Conservador e a visível falta de planos para as negociações com Bruxelas da parte de quem fez campanha pela saída do bloco europeu, que esta terça-feira se viram confrontados com novas posições severas na Europa.

As movimentações no lado conservador, para além disso, dão sinais de que a sucessão de David Cameron será acesamente disputada. As nomeações abrem esta quarta-feira, embora Stephen Crabb já tenha anunciado oficiosamente a sua candidatura esta terça. Mas só dois candidatos vão levar o concurso até ao final e tudo aponta para uma disputa entre Theresa May, favorita dos aliados de David Cameron, e o populista Boris Johnson, em constante malabarismo entre o sucesso da campanha pela saída da UE e as frágeis promessas que fez ao longo dessas semanas.

Apesar do ar de invencibilidade eleitoral de Johnson, as sondagens divulgadas esta terça-feira pelo portal YouGov dão Theresa May marginalmente à frente do ex-mayor de Londres, 19% contra 18%. 

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