Coordenação militar avança, solução política para a Síria marca passo

Paris pede urgência na união contra os jihadistas, mas EUA e Rússia entrincheiram-se nas suas posições. Assad diz que transição só começará após derrota do terrorismo.

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Imagens divulgadas por Moscovo de um bombardeamento na Síria Ministério da Defesa russo/AFP

Pela primeira vez desde a anexação da Crimeia, na Primavera de 2014, os chefes militares da Rússia e de França estiveram em contacto directo para discutir formas de coordenar o combate que ambos os países têm em curso contra o Estado Islâmico (EI). Mas a esperança de que os atentados de Paris acelerassem a negociação de uma solução política para a guerra na Síria – o cenário catastrófico em que os jihadistas prosperam – esboroa-se à medida que o efeito de choque é ultrapassado e os vários intervenientes se entrincheiram nas posições que tanto têm contribuído para prolongar o sangrento conflito.

O chefe de Estado-Maior francês, Pierre de Villiers, e o seu homólogo russo, Valeri Guerassimov, conversaram “durante uma hora” sobre a situação no terreno e “discutiram a forma de cumprir a missão que foi definida pelos dois presidentes para unificar as suas forças na luta contra o terrorismo internacional”, revelou o Ministério da Defesa russo. Os aviões dos dois países intensificam os ataques aéreos contra os jihadistas – Moscovo anunciou nesta quinta-feira uma terceira vaga de "ataques maciços", envolvendo bombardeiros de longo alcance, com os alvos a incluir refinarias no Leste da Síria.

França apresentou nesta quinta-feira um projecto de resolução no Conselho de Segurança das Nações Unidas prevendo "todas as medidas necessárias" para derrotar o EI. A prioridade da acção francesa é clara: conseguir, o quanto antes, unir as forças lideradas por americanos e russos numa “grande e única” coligação contra os radicais, negando-lhes o território e os meios que lhes permitam organizar atentados em solo europeu.

Este objectivo levou o Presidente francês, François Hollande, a sublinhar que o inimigo de Paris é o Estado Islâmico e não Bashar al-Assad, o Presidente sírio cujo afastamento defende há anos. “Passámos de um assunto diplomático, a crise síria, para uma questão de segurança nacional”, respondeu ao jornal Le Monde um responsável do Ministério dos Negócios Estrangeiros quando questionado sobre a viragem de Hollande, que ainda em Setembro recusou a proposta do Presidente russo, Vladimir Putin, para a criação de uma grande coligação (que incluiria o exército sírio) contra o EI.

A diplomacia francesa assegura que a posição de “Moscovo também evoluiu” após o atentado contra o avião russo que se despenhou a 31 de Outubro no Sinai – a primeira acção reivindicada pelos jihadistas contra a Rússia. Laurent Fabius, o ministro dos Negócios Estrangeiros, disse nesta quinta-feira que há sinais de “abertura da parte dos russos” quanto à necessidade de concentrar os bombardeamentos no EI e não nos rebeldes sírios que acossam as forças de Assad no Oeste, que os ocidentais dizem ter sido o alvo inicial da ofensiva russa.

Mas da Rússia e dos Estados Unidos, que Hollande visitará na próxima semana, há poucos sinais de mudanças significativas. Cada um dos países exige ao outro que reconheça a prioridade de combater o EI, mas nenhum parece deixar cair as suas considerações estratégicas.

“É simplesmente inaceitável que sejam apresentadas condições prévias à união [de todos os países] na luta contra o terroristas do autoproclamado Estado Islâmico”, disse o chefe da diplomacia russa, Sergei Lavrov. Washington diz que só aceitará cooperar militarmente com a Rússia mediante sinais de que está empenhada numa solução política para a guerra na Síria – o que para os EUA passa pelo afastamento do Presidente sírio, aliado de Moscovo.

“Não imagino um cenário em que seria possível pôr fim à guerra na Síria mantendo Assad no poder”, insistiu nesta quinta-feira o Presidente norte-americano, Barack Obama, lembrando que tal desfecho seria inaceitável tanto para a oposição síria como para as monarquias árabes, suas aliadas.

O futuro do Presidente sírio ficou em aberto no roteiro acordado sábado em Viena, que juntou os países apoiantes de Assad e da oposição. Mas a urgência em centrar atenções na luta contra o terrorismo gerou a expectativa que, uns e outros, adiassem a questão, dando prioridade ao início de negociações directas entre o regime e os grupos da oposição sem ligações ao terrorismo. Contactos que deveriam arrancar no início do ano, com vista à formação de um governo de transição no prazo de seis meses e à realização de eleições em 2017.

Mas Assad, numa entrevista nesta quinta-feira à televisão italiana RAI, veio deitar um balde de água fria nas expectativas: “Este calendário só pode arrancar quando tivermos vencido o terrorismo. Não é possível conseguir nada politicamente enquanto os terroristas controlam inúmeras zonas da Síria”.

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