Contrabandistas de pessoas ganham um milhão de dólares com cada barco

"É normal que os africanos negros sejam encerrados no convés inferior. Raramente são feitas excepções para as mulheres, crianças ou para os idosos”, diz a agência Frontex.

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Bote de borracha com 104 imigrantes a bordo resgatado a 25 milhas da costa líbia MOAS/Darrin Zammit Lupi/REUTERS

É um modelo de negócio que facilmente pode render um milhão de euros por semana: um contrabandista de imigrantes que cobre pelo menos 1000 euros pela viagem entre um porto na Líbia e Itália, e consiga juntar 200, 300, 400 ou até mais pessoas num barco de madeira apinhado como sardinha em lata, facilmente ganha essa quantia por semana.

O valor de um barco recentemente interceptado no Mediterrâneo com 450 imigrantes a bordo foi precisamente estimado em um milhão de euros, diz uma uma nota da Frontex, a agência que coordena a gestão das fronteiras externas da União Europeia. Alguns imigrantes – a que seria mais correcto chamar refugiados –, como sírios de classe média que fogem da guerra no seu país, estão dispostos a pagar 2000 euros por um lugar nas embarcações, cada vez mais precárias, que são usadas pelos contrabandistas para mandar pessoas desesperadas para as costas italianas.

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Com a missão Mare Nostrum, que resgatou mais de 150 mil pessoas no mar que vinham nestas embarcações, o modelo de negócio dos contrabandistas refinou-se, e tornou-se ainda mais lucrativo, porque o investimento necessário se reduziu: como havia boas hipóteses de as patrulhas da Marinha italiana encontraram as embarcações com imigrantes, os contrabandistas começaram a enviar barcos cada vez mais miseráveis, cada vez mais sobrelotados, diz a nota da Frontex. “Os contrabandistas são criminosos sem escrúpulos que jogam com vidas humanas”, afirma Antonio Saccone, responsável pela análise operacional na agência.

Por isso, este ano, já morreram mais de três mil pessoas no Mediterrâneo – um enorme aumento face a 2013, quando a Organização Internacional de Migrações calcula que tenham morrido 700 pessoas a tentar a viagem até ao El Dorado europeu.

Muitos embarcam na Líbia, onde este tráfico conheceu uma explosão, a partir de 2011, após a revolução que afastou Muammar Khadafi. As milícias que derrubaram o regime continuam ainda hoje a lutar entre si; a falta de um Estado organizado após a queda de Khadafi criou as “condições perfeitas” para o desenvolvimento deste negócio.

De um nicho com raízes tradicionais, o contrabando de pessoas para a Europa transformou-se num negócio milionário, operado a partir de dois locais, as zonas da costa líbia mais próximas de Itália: Zuwara, uma cidade berbere junto à fronteira com a Tunísia, e Garabulli, uma praia a leste de Trípoli.

“Não sou um criminoso. Só estou a fornecer um serviço que tem muita procura no mercado”, afirmou a The Guardian um desses contrabandistas, que o jornal britânico diz ser um dos mais bem-sucedidos a operar na Líbia. Este “mercado” são os milhões de pessoas que fogem de guerras, ditaduras, perseguições e pobreza em África e no Médio Oriente.

Nos últimos tempos, a maioria esmagadora vem da Síria e da Eritreia, um país no Leste do continente africano conhecido como a “Coreia do Norte de África”. As Nações Unidas estimam que 4000 eritreus estejam a tentar deixar clandestinamente o seu país, por rotas que os sujeitam a enormes perigos no deserto do Sara – um dos maiores é serem raptados no Sudão por tribos de beduínos, que os sujeitam a torturas e exigem resgates às famílias para os libertarem.

Num mundo em que os sobreviventes contam histórias de grandes sofrimentos – nos barcos, nas viagens por terra – é claro que os imigrantes negros sofrem ainda mais. “Num perturbante eco das práticas dos navios negreiros do século XIX, é normal que os africanos negros sejam encerrados no convés inferior. Raramente são feitas excepções para as mulheres, crianças ou para os idosos”, diz a nota da Frontex, que assinala secamente: “Registam-se casos de asfixia por gases de combustão.”



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