Comunicações do ferry sul-coreano confirmam indecisão no momento de retirar os passageiros

Registo das conversas não oferece qualquer pista sobre as razões da súbita mudança de direcção do navio.

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Este domingo foram recuperados dez corpos do interior do navio AFP/JUNG YEON-JE

Os registos das comunicações entre o ferry Sewol e os serviços marítimos da ilha de Jindo, na Coreia do Sul, oferecem um retrato da confusão e do pânico que se instalou na sala de comando do navio – e confirmam a hesitação da tripulação em accionar o plano de evacuação dos passageiros, que inicialmente foram instruídos a permanecer onde estavam e a não subir ao convés.

Nas transcrições (redigidas) dos últimos contactos com o ferry, divulgadas neste domingo pelas autoridades, é possível perceber o nervosismo e a indecisão dos tripulantes do ferry. No primeiro sinal de perigo, às 8h55, o Sewol pede às autoridades que gerem o tráfego marítimo para “notificar a Guarda Costeira que temos o navio em risco. Estamos a adornar”.

Cerca de dez minutos depois do sinal de SOS, o ferry pede auxílio urgente, dizendo que o navio já está virado e a afundar rapidamente. “Os passageiros já estão a abandonar o navio?”, pergunta a central de Jindo. “Não, o navio está muito inclinado, por isso não podemos proceder à evacuação. Os passageiros não se conseguem mexer”, responde o Sewol.

O navio recebeu instruções para equipar os passageiros com coletes salva-vidas e cumprir as etapas do plano de evacuação. A certa altura, o navio comunica que o sistema de altifalantes a bordo não está a funcionar: “Então alguém tem de ir buscar os passageiros e dizer-lhes o que têm de fazer”, responde a central.

O registo das conversas não oferece qualquer pista sobre as razões da súbita mudança de direcção do navio, que se especula terá levado o navio a adernar e afundar-se. Mas percebe-se que os serviços marítimos confiaram que o comandante do navio conduzisse o plano de emergência. “Nós não podemos avaliar a situação, por isso deve ser o comandante a tomar decisões sobre o salvamento dos passageiros”, diz.

Vários especialistas em segurança marítima estranharam as decisões do comandante, notando que em caso de naufrágio, a norma é conduzir os passageiros ao convés, preparando-os para abandonar o navio, mesmo se as condições meteorológicas são difíceis. O comandante Lee Jun-seok disse que não ordenou a evacuação do ferry quando este sr virou porque sem salva-vidas ou outros navios no local, receou que os passageiros ficassem à deriva no mar, com fortes correntes e águas geladas.

A justiça sul-coreana adicionou uma série de acusações ao processo contra o comandante. “O senhor Lee está acusado de causar o naufrágio do Sewol por não ter corrigido a velocidade de navegação num canal estreito e uma guinada agressiva que fez o barco virar demasiado. Além disso, é acusado de não ter seguido os procedimentos correctos para a evacuação dos passageiros, conduzindo assim à sua morte ou ferimento”, explicou o procurador Lee Bong-chang, citado pela agência semi-oficial Yonhap.

Uma oficial e um técnico de bordo também foram formalmente acusados de negligência pelo Ministério Público, que tomou medidas contra mais 40 indivíduos, incluindo a tripulação do navio e os proprietários da companhia Chonghaejin Marine, proprietária da embarcação, e que ficaram impedidos de sair do país.

Com 244 passageiros ainda desaparecidos, o número oficial de mortos no naufrágio foi ontem revisto para 58, depois de terem sido recuperados mais dez corpos pelas equipas de mergulhadores, que recorreram a machados para partir os vidros e resgatar as vítimas do interior do ferry – com coletes salva-vida vestidos. O estado de espírito dos familiares que acompanham as operações de resgate em directo, varia entre a resignação e a esperança, a cada novo mergulho.

A Presidente da Coreia do Sul, Park Geun-hye, assinou um decreto que declara a ilha de Jindo e ainda a cidade de Ansan, de onde eram provenientes os 325 estudantes do ensino secundário que seguiam a bordo do ferry, “zonas especiais de desastre” – um estatuto que agiliza os procedimentos administrativos dos programas de assistência. O Governo de Seul disse também que estava a estudar a constituição de um fundo de compensação para os familiares das vítimas do naufrágio.

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