Como convencer um guatemalteco de 15 anos que o sonho americano não é para ele

Fuga à pobreza e à violência alimentam vaga de emigração de menores para os Estados Unidos. Obama reuniu-se esta quinta-feira com presidentes centro-americanos.

Foto
Jovens imigrantes detidos no Texas Rick Loomis/Reuters

Com algumas economias ganhas a cortar relva e contactos feitos pelo Facebook, Marco pôs-se a caminho. Deixou para trás a sua terra, Sahila, na Guatemala, com uma ideia firme: chegar aos Estados Unidos. Espera agora que a justiça norte-americana se pronuncie sobre o seu caso. Corre o risco de ter de voltar ao ponto de partida.

Marco, 15 anos, que contou a sua história à AFP, afirma que a mãe, que vive nos Estados Unidos, o aconselhou a ter calma. Mas que não lhe deu ouvidos. É uma das mais de 57 mil crianças e adolescentes não acompanhados por adultos, sem documentos migratórios, interceptados desde Outubro de 2013 pelas forças de segurança norte-americanas, principalmente ao longo dos cerca de 2000 quilómetros da fronteira do estado do Texas com o México.

A crise migratória tornou-se um problema para o Presidente Barack Obama, que esta sexta-feira tinha encontro marcado na Casa Branca com os chefes de Estado dos três países – Honduras, El Salvador e Guatemala – de onde são oriundos três quartos dos menores que chegam ao país, fugindo à miséria e à violência, enfrentando perigos vários. Como Marco, nome fictício, que depois de ter ido num navio até ao vizinho México, recorreu a contrabandistas, passou por caminhos com serpentes, passou fome e dormiu em armazéns.

O diálogo com os homólogos centro-americanos, após uma conversa telefónica, na véspera, com o Presidente do México, Enrique Peña Nieto, é apenas uma das frentes em que Obama está empenhado na resposta à que é também uma crise humanitária. Republicanos e democratas não se entendem nem sobre os montantes de um financiamento de urgência para responder aos problemas criados pelo afluxo de menores nem sobre a vertente dos direitos de que eles devem beneficiar. Os primeiros querem alterar a lei para acelerar as deportações, os segundos alertam para as situações que vão encontrar no regresso.

Do encontro de chefes de Estado não se esperavam soluções mágicas. Tão pouco avanços significativos. No imediato, o que Obama procura – do hondurenho Juan Orlando Hernandéz, do guatemalteco Otto Pérez Molina e do salvadorenho Sánchez Cerén – é colaboração para tentar conter a vaga migratória.

Citando responsáveis da administração norte-americana, o New York Times, noticiou que o Presidente ia apelar aos seus interlocutores para “amplificarem a mensagem de que a maior parte dos que tentam entrar nos Estados Unidos não poderá ficar”. E pedir o seu empenhamento no combate às redes de “passadores” de menores. Os homólgos tencionavam lembrar-lhe que Washington deve cumprir as promessas de apoio à luta contra o crime transnacional e o desenvolvimento socioeconómico feitas em 2008 e que estão por concretizar.

Não será fácil a Obama fazer chegar às famílias a mensagem de que nos Estados Unidos os pequenos imigrantes vão encontrar situações difíceis. Desde logo por contraste com o quotidiano que conhecem. Se em muitos casos a imigração é impulsionada pelo reagrupamento familiar, ela resulta também da conjugação da persistente pobreza com os efeitos da actuação das organizações criminosas nos países em que nasceram, como se pode ver pelos casos dos países cujos presidentes convidados para a Casa Branca.

“Tentam salvar os filhos”

 El Salvador, assolado por guerras de gangues, é considerado o quarto país mais perigoso e violento do mundo, com uma média de 12 homicídios por dia, com tendência a aumentar. Muitas famílias enviam os filhos para o estrangeiro, procurando pô-los a salvo da violência e do assédio para que se incorporem nos grupos violentos.

“Os pais tentam salvar os filhos e apesar de conhecerem os perigos até à fronteira dos Estados Unidos preferem corrê-los a deixar que sejam assassinados ou os recrutem”, disse há poucas semanas, ao diário espanhol El País, Anita Zelaya, directora do Comité de Familiares de Migrantes Desaparecidos de El Salvador. Um sinal da gravidade da situação foi a reabertura de uma delegação do Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados que tinha sido encerrada em 1992, no final da guerra civil. Os pedidos de asilo por causa da violência não têm parado de aumentar.

Na Guatemala, de onde partiu Marco, o Governo diz que os menores saem essencialmente para se juntarem aos pais já imigrados. Numa terra onde 48% dos 15 milhões de habitantes são crianças e adolescentes, a imigração é o efeito combinado da pobreza com a insegurança crescente e o reagrupamento familiar. É o que se pode concluir de indicadores divulgados pelo diário espanhol sobre um país que, embora com um crescimento médio de 3,4% desde 2001, acompanhado de um aumento demográfico de 2,4%, mais não consegue do que “manter o nível de pobreza”, nas palavras do analista Gustava Berganza.

Em 2013, na Guatemala, morreu em média, de duas em duas horas, uma criança com menos de cinco anos, por doenças que podiam ter sido evitadas, como diarreia e pneumonia. À “demissão” do Estado acresce a insegurança – a taxa de homicídios de homens entre os 13 e os 29 anos aumentou 70% no período de um ano: de 29,9 por cada cem mil, para 42,2 em 2013.

Nas Honduras é a violência que empurra os menores para a imigração. Num país em que 45% da população tem menos de 18 anos, os mais novos são usados por grupos criminosos em assaltos, extorsão, tráfico e venda de armas. O incentivo para que partam vem também de redes de tráfico de seres humanos que estimulam e exploram a vontade das famílias de os ver sair.

No caso hondurenho, o Governo confirmou que entre Outubro de 2013 e Junho de 2014 o número de menores que entraram de modo ilegal nos Estados Unidos foi superior a 14 mil. Nos doze meses anteriores tinham sido 2500. O boom, escrevia ontem o El País, citando a primeira-dama, Ana García de Hernández, foi provocado por uma “falsa notícia”, divulgada pelos traficantes, de uma alegada amnistia para imigrantes nos Estados Unidos.

A falsa informação terá levado pais e mães que já ali vivem, com ou sem autorização de residência, a aceitarem pagar pelo menos 5000 dólares a “passadores” para que lhes levassem os filhos, apesar dos riscos da viagem em que se procuram iludir os controlos das autoridades. Riscos que não fazem hesitar um número crescente de famílias a enviarem menores para um destino incerto mas que se lhes afigura muito melhor do que aquele que deixam para trás.

Sugerir correcção
Comentar