Comentário: Palmira, a Dubrovnik de Assad

A queda da "pérola do deserto" pode ser um ponto de viragem na guerra da Síria

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CHRISTOPHE CHARON/AFP

O autoproclamado Estado Islâmico acaba de tomar a cidade de Palmira na Síria, pondo em risco as suas magníficas ruínas e levantando duas questões: Por que é que o governo e seus militares não lutaram mais para manter a cidade e os seus campos de petrolíferos? Irão agora os radicais islâmicos envolver-se numa orgia de destruição cultural, como fizeram no Iraque?

Demorará algum tempo, se é que acontecerá, até sabermos as circunstâncias precisas em que Palmira foi tomada. Mas o dono do café que gritou “Traição! É traição”, quando soldados e polícias fugiram, tem razões para desconfiar. As relações públicas são parte integrante da guerra, e perder Palmira pode funcionar a favor do Presidente Bashar al-Assad.

Aconteceu algo semelhante em torno de Dubrovnik, a jóia croata do Adriático, em 1991, durante a guerra da Jugoslávia. A luta por Dubrovnik foi um ponto de viragem do conflito, não por os croatas terem mobilizado recursos na cidade para a defenderem, mas porque não o fizeram – por opção por falta deles – até muito tarde.

O comandante croata da cidade, general Nojko Marinovic (que na época mostrava coragem nos briefings diários matinais a repórteres como eu) disse mais tarde que cedo tinha percebido que “a cidade era praticamente indefensável".

A ala sérvia do exército jugoslavo avançou até Dubrovnik, desacelerou e montou cerco. Destruíram a cidade moderna no exterior das muralhas da cidade antiga, e foram tão estúpidos que bombardearam várias vezes a insubstituível cidade velha veneziana (depois de terem dito que não o fariam). A opinião pública internacional acentuou a ideia de que os sérvios eram bárbaros – numa guerra com a qual, até então, muitos, como o secretário de Estados dos EUA, James Baker, pensavam que nada tinham nada a ver.

O mundo já sabe que o Estado Islâmico é bárbaro, mas ainda não escolheu o lado de Assad. Desde o início do conflito sírio, há quatro anos, que o objectivo de Assad tem sido convencer o mundo de que é um mal menor, necessário para conter o avanço do extremismo islâmico. É por isso que permitiu o crescimento do Estado Islâmico, concentrando o seu poder de fogo nas forças rebeldes mais moderadas. Assim, embora a tomada de Palmira tenha sido um importante sucesso para o Estado Islâmico, para Assad  – acidental ou intencionalmente – pode ser o tipo de triunfo propagandístico que Dubrovnik foi para os croatas.

Se o Estado Islâmico fizer o que dele se espera, destruirá outro tesouro insubstituível da história humana. A julgar pelo que fez no Iraque, provavelmente é o que fará. Mas o respeito por Palmira sobrepõe-se às divisões da Síria, e o Estado Islâmico tem, por vezes, tido necessidade de se fazer parecer mais sírio, e menos estrangeiro, para conseguir apoio local. Só podemos ter esperança.

 

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