Começa na Itália a crítica eleição do sucessor de Giorgio Napolitano

É uma escolha vital. A presidência ganhou um papel central na política italiana. Mas trata-se de uma eleição sempre imprevisível, terreno favorito de franco-atiradores que desfazem as contas dos partidos.

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O primeiro-ministro Matteo Renzi deseja um Presidente que lhe dê a cobertura política necessária para concluir o processo de reformas ALBERTO PIZZOLI/AFP

A eleição do sucessor do Presidente Giorgio Napolitano começa nesta quinta-feira à tarde em Roma, mas não haverá “fumo branco” antes de sábado ou domingo. Nos três primeiro escrutínios, em que é necessária uma maioria de dois terços, pouco acontecerá. A decisão deve ser tomada quando, a partir da quarta votação, apenas bastar a maioria absoluta. Esta eleição reveste-se dum carácter vital e, como é tradição, está a ser marcada por jogos florentinos que tornam o seu desfecho tão imprevisível como a eleição do Papa.

Até 2011, Napolitano foi um Presidente garante das liberdade e da Constituição. A partir do Outono de 2011 — com a Itália à porta da bancarrota — transformou o Quirinal no centro de gravidade da vida política italiana.

Em lugar de dissolver as câmaras após a queda do governo Berlusconi, decidiu entregar o Executivo a Mario Monti, conseguindo organizar uma larga maioria “bipartidária” que o apoiava no Parlamento. Considerava que, por falta de alternativas, a abertura de um processo eleitoral naquelas circunstâncias implicava um elevado risco de caos e a consumação da catástrofe económica. A sua solução teve um elevadíssimo apoio na opinião pública. Hoje, o período de “excepção” não está terminado e, segundo uma sondagem do Corriere della Sera, a opinião pública quer para presidente um “político experiente” e com um perfil “intervencionista”.

Os fantasmas de Renzi
Matteo Renzi, primeiro-ministro e líder do Partido Democrático (PD), deseja um PR que lhe dê a cobertura política necessária para concluir o processo de reformas, condição para a realização de eleições legislativas e para a “normalização” da vida política, com um governo maioritário.

Mas, sobretudo, Renzi terá de evitar que se repita a cena de Abril de 2013, em que os eleitores do PD começaram por rejeitar o candidato acordado com Silvio Berlusconi, o senador Franco Marini. Depois, 101 franco-atiradores do PD, servindo-se do voto secreto, “chumbaram” o nome do antigo primeiro-ministro Romano Prodi, proposto pelo PD. Foi o caos. A única solução foi forçar Napolitano a aceitar a reeleição.

A eleição presidencial é, por definição, um dos momentos mais envenenados da política italiana. Em 1971, a Democracia Cristã (DC) tinha como candidato Amintore Fanfani, presidente do Senado e ex-primeiro-ministro. O seu nome era “consensual” na DC. Foi no entanto bloqueado por franco-atiradores da mesma DC. Ao fim de 23 escrutínios foi eleito um nome em que ninguém falara: Giovanni Leone. Este mesmo falou num “jogo de venenos, facas e franco-atiradores”.

Os italianos têm ainda presente que as eleições gregas foram desencadeadas pela incapacidade de eleger um PR. O caso na Itália não é simétrico, pois o PR será sempre eleito. Mas um “caos” eleitoral enfraqueceria drasticamente o governo de Renzi e faria “lembrar a Grécia”. O que lhes não agrada.

Como se elege?
O colégio eleitoral é composto pelos deputados, senadores e 58 representantes das regiões, num total de 1009 eleitores. Nos três primeiro escrutínios é necessária a maioria de dois terços (672 votos) e, a partir daí, a maioria absoluta do colégio: 505 votos.

A votação secreta tem sido contestada. Escreve no Corriere o historiador Ernesto Galli della Loggia: “Longe de garantir a vitória do ‘melhor’, enquanto fruto da liberdade de consciência dos parlamentares, [o secretismo] favorece um carácter quase sempre opaco, que inquina o mecanismo de formação da maioria.” É a ocasião para os ajustes de contas por parte das minorias e de franco-atiradores e para o exercício de uma figura central da política italiana: os “vetos cruzados”.

As três primeiras votações servem para testar o peso das candidaturas, acabando o PR por ser eleito por maioria absoluta. É curioso que, nos últimos dias, tanto Renzi como Berlusconi tenham falado em dar a consigna de voto branco nos três primeiros escrutínios, de forma a evitar que se forme um consenso “transversal” em torno de um nome “indesejável”.

Renzi e Berlusconi tinham previsto chegar a acordo sobre um nome. Até ontem não foi possível. A nota marcante era outra: a minoria do PD, os eleitos de Beppe Grillo e alguns grupos de direita procuravam lançar uma candidatura para impedir a eleição do “candidato de Renzi”. Alguns propunham o nome de Romano Prodi, susceptível de dividir o PD e de enfraquecer a liderança de Renzi.

Os nomes
Falar de nomes é um “toto-Quirinal”. Na imprensa surgiram mais de 20 candidatos. Eliminados os de perfil tecnocrata, restam os políticos. São citadas figuras cimeiras do PD, como Piero Fassino, Sergio Chiamparino, Walter Veltroni, Anna Finocchiaro e Pier Luigi Bersani. Quase todos improváveis.

Nos últimos dias surgiram dois nomes em destaque: o ex-primeiro-ministro Giuliano Amato, que seria aceitável por Berlusconi mas não teria a benção de Renzi, que teme que ele faça do Quininal uma força hostil. O círculo de Renzi passou a insinuar o nome de Sergio Matarella, juiz constitucional e antigo ministro em governos da DC e do PD. Pouco mais se saberá até sábado.

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