China dá pequeno passo em frente e acaba com “reeducação pelo trabalho”

Partido Comunista empenhado em mostrar nova imagem em termos de direitos humanos. Queda da população activa por trás de alteração à política do filho único.

Foto
As reformas foram decididas na reunião do Comité Central do Partido Comunista Chinês WANG ZHAO/AFP

De uma assentada, a China anunciou duas reformas que podem mudar a sua imagem internacional ao mesmo tempo que tenta resolver dois problemas prementes: os abusos de direitos humanos e a quebra demográfica. Entre as moções aprovadas na sessão plenária do comité central do Partido Comunista Chinês (PCC), que terminou na terça-feira em Pequim, o Governo anunciou esta sexta-feira o fim do sistema de campos de trabalhos forçados e a remodelação das políticas de controlo de natalidade.

O sistema de campos de “reeducação pelo trabalho”, também chamados "laojiao", que existe na China há mais de 50 anos, vai ser abolido, de acordo com o programa de reformas aprovado pelo politburo do PCC, citado pela agência estatal Nova China (Xinhua, em mandarim). No mesmo sentido, o número de crimes sujeitos à pena de morte vai ser reduzido “passo a passo”. As reformas fazem parte “dos esforços da China para melhorar o respeito pelos direitos humanos e as práticas judiciais”, escreve a agência noticiosa.

Os abusos sobre os direitos humanos são uma das críticas mais frequentes da parte da comunidade internacional. Ainda esta semana, a eleição da China para o Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas foi reprovada por organizações como a UN Watch e a Human Rights Watch.

O debate sobre os campos de reeducação não é de agora. Ainda em Agosto, um influente think tank, gerido pelo Governo chinês, alertou para os abusos que ocorriam nos campos, que considerou uma “clara violação dos princípios de justiça”. A província de Cantão, uma das mais populosas da China, deixou de enviar prisioneiros para os campos de trabalho desde Março e anunciou que iria esvaziá-los até ao final do ano, numa clara antecipação à decisão do PCC.

Os campos de “reeducação através do trabalho”, “de pedigree maoísta e nome orwelliano”, como descreveu a revista The Economist, são grandes prisões espalhadas pela China para onde são enviados todos aqueles que perturbem a “harmonia” do país. Desde a sua fundação, em 1957 durante a presidência de Mao Tsetung, que são enviados para esses campos criminosos, mas também opositores indesejáveis.

Com nomes como “Escola de Educação Ideológica da Província de Liaoning”, os prisioneiros destes campos estão sujeitos a privações de comida, água e sono, espancamentos e choques eléctricos. A par dos maus tratos, os reclusos participam em sessões de exercício físico e cânticos, como parte da “reeducação forçada”, como relatou uma reportagem da BBC. Uma ordem policial era muitas vezes suficiente para enviar qualquer suspeito para um destes campos por quatro anos, sem direito a julgamento. Os últimos dados conhecidos revelavam que havia 50 mil pessoas distribuídas por mais de 350 campos por toda a China.

Declínio populacional preocupa

O país mais populoso do mundo também vai alterar a política do filho único, que proíbe os casais de terem mais do que um filho, excepto quando ambos os pais são eles próprios filhos únicos. A partir de agora, basta que um dos progenitores o seja para que a proibição seja levantada.

Desde o falhanço das políticas económicas de Mao, conhecidas como o Grande Salto em Frente (1958-61), que a China tentou controlar o crescimento populacional, o que culminou com a adopção da política do filho único, em 1979. A proibição veio permitir controlar a população do país, calculando-se que terá sido evitado um aumento de 250 milhões de pessoas, nas últimas três décadas.

Relatos de abortos forçados, levados a cabo por “comissões de planeamento familiar”, criaram uma antipatia generalizada em relação à lei. Segundo a Economist, em 2009, cerca de seis milhões de mulheres chinesas terão sido forçadas a abortar. Mas por trás do recuo em relação à política estão motivos muito mais pragmáticos. No ano passado, a população activa na China desceu, algo que não acontecia há décadas, e as previsões apontam para uma queda ainda mais acentuada nos próximos anos.

O Bank of America estima que as mudanças às leis da natalidade vão traduzir-se num aumento em quase dez milhões no número anual de nascimentos. No entanto, a inversão pode já vir tarde, uma vez que se prevê que, a partir de 2025, a população activa chinesa caia dez milhões a cada ano.
 
 
 

Sugerir correcção
Comentar