Cerco a Alepo provoca marcha desesperada até à fronteira turca

Intensificação dos combates precipita novo êxodo de refugiados. NATO censura Rússia pela campanha aérea. Oposição pede ajuda urgente.

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Sírios em fuga de Alepo cruzam a fronteira com a Turquia em Bab al-Salama SHABHA PRESS/AFP

Com as bombas a cair e os tanques de guerra das tropas governamentais à porta de Alepo, outrora a capital comercial da Síria, a população que ainda não tinha fugido teme acabar numa situação semelhante à dos habitantes de cidades sitiadas como Madaya, sem comida, abastecimento eléctrico ou cuidados médicos. Com o apertar do cerco, procuram escapar da cidade dezenas de milhares de habitantes, numa nova marcha desesperada em direcção à fronteira com a Turquia.

 “As organizações humanitárias estão a fazer o possível para responder às necessidades, mas a escalada do conflito militar torna cada vez mais difícil o acesso às populações em risco”, disse à AFP uma porta-voz da agência humanitária das Nações Unidas.

“Estamos a ver dezenas de milhares de pessoas na estrada, a pé, a caminho da Turquia. São milhares de inocentes a quem já não resta outra alternativa para salvar a vida”, disse à CNN David Evans, director para o Médio Oriente do Mercy Corps, uma organização não-governamental envolvida na assistência alimentar no Norte da Síria.

Segundo a ONU, pelo menos 20 mil pessoas que fugiram de Alepo estão agora concentradas no posto fronteiriço de Bab al-Salam, sem conseguir passar para o lado turco. Outros 10 a 15 mil habitantes dirigiram-se para a vila de Azaz, a caminho da fronteira, e para o campo de refugiados de Afrin, em território curdo. Na quinta-feira, o primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoglu, disse que na localidade de Kilis estavam outros 15 mil – o número de deslocados e refugiados sírios, distribuídos pelo país e no estrangeiro, já ultrapassa os 11 milhões, cerca de metade da população.

O Presidente da Síria, Bashar al-Assad, confia que a captura da cidade de Alepo, depois de meses de impasse, pode ser a reviravolta militar capaz de levar a oposição a capitular antes da retoma das negociações de paz e assim pôr fim ao conflito que se arrasta há cinco anos e já fez mais de 250 mil mortos. Animado por essa perspectiva, o Exército abriu uma nova frente a Sul, na província de Deraa, com o objectivo de abrir um canal até à capital Damasco.

Num sinal de que as forças governamentais estão a avançar a toda a força para vencer as resistências rebeldes, foram tomadas duas localidades xiitas leais a Assad que estavam debaixo do controlo da oposição há três anos. A televisão estatal síria antecipava a conquista de Ratyan, a Norte de Alepo, para as próximas horas – os rebeldes ainda não a davam como perdida, mas já não excluíam a hipótese da retirada.

Os bombardeamentos da Força Aérea da Rússia não distinguem a noite do dia. “Só numa área, tivemos mais de 250 ataques num único dia”, disse à Reuters Hassan Haj Ali, líder de um dos grupos que integram o chamado Exército Livre da Síria. “O regime está a expandir a sua área de acção; toda a região Leste de Alepo está cercada e a situação humanitária é muito difícil”, disse o mesmo comandante.

Segundo Haj Ali, além dos soldados sírios, participam no assalto a Alepo combatentes “iranianos, do Hezbollah e afegãos”. O Irão confirmou que um comandante da Guarda Revolucionária que prestava apoio técnico às tropas sírias foi morto em combate nos arredores de Alepo – de acordo com a agência iraniana Tasnim, além do general Mohsen Ghajarian, foram mortos outros seis cidadãos iranianos que se voluntariaram para a linha da frente.

Os cerca de 320 mil habitantes da cidade estão actualmente “entalados” por duas frentes de violência: por um lado, a batalha pelo fim do regime e o Governo que opõe as forças de Assad e os grupos da oposição; por outro, a ofensiva liderada pelos combatentes peshmerga curdos para expulsar os militantes do Estado Islâmico do seu território.

A população de Alepo ficou efectivamente isolada com o corte da principal rota de abastecimento dos rebeldes que, cada vez mais confinados à zona urbana, continuam a reclamar pela ajuda urgente dos seus aliados Estados Unidos e Arábia Saudita.

Dentro da cidade, e segundo imagens divulgadas pela CNN, é agora a Frente al-Nusra, uma filial da Al-Qaeda, quem apela à luta contra o regime de Damasco e os “invasores” vindos da Rússia e do Irão, os países aliados de Assad.

Censurada pela NATO por causa da intensificação da campanha aérea que levou à suspensão das conversações de paz, a Rússia repetiu esta sexta-feira que os seus alvos na Síria são exclusivamente os grupos jihadistas que não participam no processo político. “Aliás, nem sequer percebemos porque é que a oposição se retirou das negociações em Genebra com queixas sobre a ofensiva sobre Alepo, destinada a erradicar a Frente al-Nusra e outros grupos radicais”, disse o embaixador russo, Alexei Borodavkin, na sede suíça da ONU.

Alepo está transformada numa cidade fantasma: três anos de combates, bombardeamentos e cerco militar tornaram aquele importante centro de negócios, de dois milhões de habitantes, quase numa ruína a céu aberto, inabitável e perigosa. Há bairros inteiros onde não sobrou um único edifício de pé, e o centro histórico, classificado Património da Humanidade pela UNESCO, foi devastado pela guerra.

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