NATO denuncia ataques de artilharia russa na Ucrânia no dia da "invasão" com camiões

Camiões russos passaram a fronteira sem autorização de Kiev. NATO afirma que o apoio militar russo aos separatistas foi reforçado na última semana e inclui ataques de artilharia em território ucraniano.

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Avanço dos camiões saudado por um habitante do Leste ucraniano com bandeira russa SERGEI IVENIAVSKI/AFP

Ao fim de quase duas semanas parados a poucas dezenas de metros do território ucraniano, os quase 300 camiões russos carregados com o que Moscovo diz ser ajuda humanitária passaram nesta sexta-feira a fronteira sem a autorização do Governo da Ucrânia, tendo como destino a cidade de Lugansk. Para Kiev, trata-se de uma "invasão directa"; para Moscovo, foi a resposta a "intermináveis adiamentos", que impediam a chegada de alimentos e medicamentos a centenas de milhares de civis.

Tal como muitas outras jogadas políticas e militares que todas as partes envolvidas na guerra no Leste da Ucrânia têm protagonizado, não é possível saber qual é a real intenção da Rússia ao decidir entrar em território ucraniano sem a autorização de Kiev nem o acompanhamento do Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV).

Se a situação pudesse ser analisada em duas colunas, com os factos num lado e as especulações no outro, a primeira ficaria com muito espaço por preencher. Ao certo, sabe-se que 35 camiões russos tinham sido inspeccionados pelas autoridades ucranianas e pela CICV, e que em nenhum deles tinha sido encontrado algo que não fosse apenas ajuda humanitária – alimentos e medicamentos; quanto aos restantes, nenhuma entidade independente pôde verificar o seu conteúdo, já que a ordem russa para a entrada na Ucrânia foi dada antes da conclusão desse processo.

Na sexta-feira de manhã, em duas mensagens publicadas na rede social Twitter, a direcção da Cruz Vermelha Internacional deixou claro que não iria ter qualquer participação na viagem dos camiões russos até Lugansk – uma das duas grandes cidades no Leste da Ucrânia que ainda estão sob controlo dos combatentes separatistas pró-russos, para além de Donetsk.

"O comboio de ajuda russo está a dirigir-se para a Ucrânia, mas nós não estamos a acompanhá-lo devido à volatilidade da situação de segurança", afirmou a Cruz Vermelha Internacional. Pouco depois, chegou a explicação para essa decisão: "Não recebemos suficientes garantias de segurança das partes em combate. A nossa equipa em Lugansk disse-nos que houve fortes bombardeamentos durante a noite."

Foi depois desta decisão da Cruz Vermelha que Moscovo anunciou que iria pôr em marcha os seus camiões, que passaram a fronteira de Izvarino (controlada por combatentes separatistas) em direcção a Lugansk sem que estivessem reunidas as condições negociadas por todas as partes – a inspecção de todos os veículos pelas autoridades ucranianas e pela Cruz Vermelha e a garantia de segurança de Kiev e de Moscovo para que os elementos da organização humanitária pudessem acompanhar o comboio russo.

Em comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo afirmou que cumpriu "exigências concebíveis e inconcebíveis" do Governo ucraniano, e que avançou porque "já não é possível tolerar esta ilegalidade, estas mentiras descaradas e esta falta de capacidade para chegar a acordo".

Moscovo acusa Kiev de ter uma agenda bem definida: "Ao que parece, Kiev está decidida a 'limpar' Lugansk e Donetsk a tempo das comemorações do Dia da Independência" da Ucrânia, neste domingo. "É cada vez mais certo que a actual liderança ucraniana está a atrasar deliberadamente a entrega de ajuda humanitária até que não haja ninguém para receber essa ajuda. É bastante possível que queiram alcançar esse objectivo antes dos encontros em Minsk, marcados para 26 de Agosto", lê-se no comunicado do ministério russo, numa referência aos encontros na capital da Bielorrússia da próxima terça-feira, em que é aguardada uma reunião entre o Presidente russo, Vladimir Putin, e o seu homólogo ucraniano, Petro Poroshenko.

Do outro lado, o chefe dos serviços secretos ucranianos, Valentin Nalivaichen, classificou a entrada não autorizada dos camiões russos como uma "invasão directa". Mas o chefe de Estado afirmou mais tarde que estava fora de questão uma resposta militar contra os camiões, apesar de descrever a movimentação da Rússia como uma "clara violação da lei internacional".

Rasmussen alerta
O apoio dos Estados Unidos, da União Europeia e da NATO à Ucrânia foi imediato.

O secretário-geral da Aliança Atlântica, Anders Fogh Rasmussen, foi o primeiro a reagir: "É uma violação flagrante dos compromissos internacionais da Rússia, incluindo os que foram assumidos recentemente em Berlim e em Genebra, e mais uma violação da soberania da Ucrânia pela Rússia", disse o líder da NATO.

"Para além disso, a NATO está a observar um reforço alarmante de forças aéreas e terrestres russas nas proximidades da Ucrânia", avançou.

O comunicado do líder da NATO deixou também a indicação de que a Aliança Atlântica tem provas do envolvimento directo de forças russas nos combates no Leste da Ucrânia.

"Estes desenvolvimentos são ainda mais preocupantes porque coincidem com um grande reforço do envolvimento militar russo no Leste da Ucrânia desde meados de Agosto, incluindo o uso de forças russas. Para além disso, a artilharia russa – tanto a partir da Rússia como no interior da Ucrânia – está a atacar as forças armadas ucranianas", afirmou Rasmussen.

Citada pelo The New York Times, a porta-voz da NATO, Oana Lungescu, especificou que a ajuda militar russa inclui "pára-quedistas, forças especiais e defesa aérea".

Também os EUA condenaram a acção russa, através do porta-voz do Pentágono, o almirante John Kirby: "A Rússia deve retirar imediatamente os seus veículos e o seu pessoal do território da Ucrânia. Se não o fizer, essa decisão irá traduzir-se em mais custos e mais isolamento."

No mesmo sentido foi a declaração da União Europeia, transmitida pelo porta-voz de Catherine Ashton, responsável pela política externa. Em quatro mensagens publicadas no Twitter, Michael Mann classificou a entrada de camiões russos na Ucrânia sem a autorização do Governo de Kiev como "uma clara violação da fronteira", e instou Moscovo a "reverter a sua decisão", ao mesmo tempo que elogiou as autoridades ucranianas pela sua "contenção".

Prolongar conflito?
A situação é particularmente sensível porque a Rússia deixou em aberto a possibilidade de responder a eventuais ataques contra os seus camiões: "A responsabilidade por qualquer provocação contra o nosso comboio e as suas consequências será unicamente daqueles que continuam dispostos a sacrificar as vidas de pessoas em troca das suas ambições e das suas intenções geopolíticas, numa flagrante violação das regras e dos princípios da lei humanitária internacional", lê-se no comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo.

Alguns analistas ocidentais avançaram tentativas de explicação para o que consideram ser o verdadeiro objectivo do Presidente russo, Vladimir Putin, na véspera da visita da chanceler alemã, Angela Merkel, a Kiev (e a poucos dias da cimeira de Minsk), e tendo como pano de fundo o avanço do Exército ucraniano nas cidades de Donetsk e Lugansk, onde os combatentes separatistas parecem estar a perder terreno face aos constantes bombardeamentos das forças ucranianas – que estão também a provocar várias mortes entre a população civil e a degradar a situação humanitária nas duas cidades, principalmente em Lugansk.

"O objectivo talvez seja manter o conflito no terreno em curso pelo menos até à cimeira de Minsk, na próxima semana, para que Putin tenha algo para 'negociar' com Poroshenko, disse ao Financial Times Timothy Ash, analista do Standard Bank. De acordo com esta análise, a chegada de camiões russos com ajuda humanitária a Lugansk deverá refrear os ataques do Exército ucraniano, com receio de atingir os veículos e provocar uma reacção militar russa.

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