Candidatos à Casa Branca admitem BI para muçulmanos e isolar "cães raivosos" entre refugiados

Câmara dos Representantes aprova proposta que na prática trava entrada de refugiados sírios. Presidente Obama já prometeu vetar o documento.

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"Vamos ter de fazer coisas que seriam impensáveis há apenas um ano", disse Donald Trump Brian Snyder/Reuters

O fantasma dos atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001 e a campanha eleitoral em curso para a escolha dos próximos candidatos à Casa Branca estão a deixar os Estados Unidos à beira da histeria colectiva, uma semana depois dos ataques em Paris. Na quinta-feira, a Câmara dos Representantes aprovou uma proposta que, na prática, fecha a porta aos 10.000 refugiados sírios que o Presidente Obama se comprometeu a receber no próximo ano, e entre os candidatos do Partido Republicano à Presidência há quem compare sírios a cães raivosos e quem admita emitir bilhetes de identidade (BI) especiais para muçulmanos.

A proposta que foi aprovada quinta-feira na Câmara dos Representantes já tem o veto garantido do Presidente Obama, mas o facto de ter recebido o apoio de quase meia centena de membros do Partido Democrata é um duro golpe para a imagem da Casa Branca. O documento passou com os votos de 242 dos 246 representantes do Partido Republicano e de 47 dos 188 Democratas – uma votação que pode ser considerada um exemplo de bipartidarismo no actual panorama em Washington, num Congresso profundamente dividido politicamente e onde o Partido Republicano está em maioria nas duas câmaras.

Depois de ter sido aprovada na Câmara dos Representantes, a proposta será votada no Senado (a câmara alta do Congresso), e aí terá uma vida mais difícil – o líder da minoria do Partido Democrata no Senado, Mitch McConnell, prometeu manter as suas fileiras cerradas e convencer senadores republicanos em número suficiente para travar a proposta antes de ela chegar à mesa do Presidente: "Não se preocupem, não vai passar", afirmou McConnell na quinta-feira.

Os senadores só vão votar a proposta depois das férias do Dia de Acção de Graças (nunca antes de 30 de Novembro), mas qualquer que seja o resultado, o Presidente Barack Obama já disse que vai vetá-la. Nas horas que antecederam a votação na Câmara dos Representantes, Obama disparou uma série de mensagens na rede social Twitter em defesa do acolhimento de refugiados.

"Fechar a porta na cara de refugiados seria uma traição aos nossos valores mais profundos. Não é isso que nós somos. E não é isso que vamos fazer", escreveu Barack Obama, a terminar uma série de seis mensagens seguidas sobre o tema, que incluiu uma promessa: "No próximo ano vamos dar refúgio a pelo menos 10.000 sírios que fogem da violência na Síria, depois de passarem os mais rigorosos controlos de segurança."

"Receber os mais vulneráveis de todo o mundo que procuram segurança na América não é uma novidade para nós. Recebemos três milhões de refugiados desde 1975, sem problemas de segurança", escreveu o Presidente dos EUA.

Os 10.000 sírios que a Casa Branca prometeu receber em 2016 (um número ínfimo para as organizações de defesa dos direitos humanos e excessivo para os críticos da medida) terão de ser investigados por agentes do Departamento de Segurança Interna, do Departamento de Estado, do Departamento da Defesa, do Centro Nacional de Contraterrorismo e do FBI, mas a proposta aprovada na Câmara dos Representantes inclui uma exigência que a Casa Branca considera inaceitável – para além de ter de passar pelo rigoroso sistema de controlo, que demora entre 18 meses e 24 meses, um refugiado só entraria nos Estados Unidos depois de o secretário da Segurança Nacional, o director do FBI e o responsável por todas as agências de serviços secretos assinarem uma carta com a garantia pessoal de que esse candidato não representa um perigo para o país.

Em resposta a esta exigência, o Presidente Barack Obama disse que os refugiados já são submetidos a um controlo apertado, e que "a ideia de que eles representam uma ameaça maior do que todos os turistas que entram nos Estados Unidos todos os dias simplesmente não bate certo com a realidade".

Mas vários candidatos que tentam conquistar o direito a representar o Partido Republicano na corrida à Presidência dos EUA em 2016 têm uma opinião radicalmente oposta, destacando-se os dois que nunca ocuparam qualquer cargo político e que estão no topo das sondagens – o magnata Donald Trump e o cirurgião reformado Ben Carson.

Numa série de declarações que deixariam embaraçado o antigo Presidente George W. Bush (visto ainda hoje pelos seus críticos como um Presidente próximo da direita mais radical no Partido Republicano), Trump e Carson têm dramatizado a situação até ao limite. Ao contrário do que a Adminstração Bush fez após os atentados de 11 de Setembro de 2001 – separando o extremismo islâmico do islão e isolando a Al-Qaeda como um grupo de fanáticos que não podia ser confundido com a maioria dos muçulmanos –, Donald Trump e Ben Carson são autênticas máquinas misturadoras.

"Se há um cão com raiva a correr descontrolado pelo seu bairro, provavelmente não vai pensar nada de bom em relação a ele, e provavelmente vai querer afastá-lo dos seus filhos. Isso não significa que odeie todos os cães, está apenas a usar o seu intelecto", disse Carson durante uma passagem pelo estado do Alabama quando questionado especificamente sobre os refugiados sírios.

Numa entrevista ao site Yahoo News, na quinta-feira, o seu adversário no Partido Republicano Donald Trump reafirmou que irá deportar todos os refugiados sírios que entrarem nos EUA se for eleito Presidente.

"Se estiverem cá, terão de sair, porque não podemos correr riscos. Olhamos para as migrações e vemos homens jovens e fortes. Não podemos correr o risco de recebermos pessoas ligadas aos ISIS", disse Trump. Segundo o Yahoo News, cerca de metade dos 2000 sírios que já estão nos EUA com o estatuto de refugiados são crianças e um quarto têm mais de 60 anos de idade.

Questionado sobre se admitiria autorizar mandados de busca sem autorização judicial dirigidos especificamente a muçulmanos e a criação de uma base de dados ou um cartão de identificação especial para o mesmo grupo da população nos EUA, Trump não afastou nenhuma dessas possibilidades e disse que admite aprovar "várias medidas drásticas" e "olhar com muito cuidado para as mesquitas".

"Vamos ter de fazer coisas que nunca fizemos. Algumas pessoas vão ficar chateadas, mas penso que as pessoas sentem que a segurança vai estar acima de tudo. E vão ser feitas algumas coisas que nunca pensámos fazer neste país em termos de informação e de conhecimento sobre o inimigo. Vamos ter de fazer coisas que seriam impensáveis há apenas um ano", afirmou o candidato do Partido Republicano.

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