17 mulheres eleitas em votação histórica na Arábia Saudita

Salma bint Hizab al-Oteibi foi o primeiro nome a ser anunciado. Foi eleita na região de Meca, num círculo onde concorreu contra sete homens.

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Estas eleições foram as primeiras abertas tanto a candidatas como a eleitoras Faisal Al Nasser/Reuters

Muito se sabe sobre a forma como as mulheres são tratadas na Arábia Saudita, mas pouco se sabia sobre a vida de uma delas em particular. Este domingo, Salma bint Hizab al-Oteibi saiu do anonimato e deu um passo que pode ser importante para as mudanças que tardam em chegar ao reino – foi a primeira mulher eleita para um cargo público, nas primeiras eleições de sempre em que os homens não foram os únicos a concorrer e a votar.

No sábado, os sauditas foram às urnas apenas pela terceira vez em meio século, para preencherem os pouco relevantes cargos nas divisões municipais. Mas o simbolismo deste acto eleitoral em particular ultrapassou em muito a importância do seu impacto na vida política do país – pela primeira vez, a Arábia Saudita permitiu que as mulheres pudessem votar e ser eleitas, embora inúmeras restrições tenham feito com que os boletins apresentassem 978 mulheres e 5938 homens.

Os primeiros resultados só começaram a ser anunciados este domingo, e para muitas activistas sauditas a eleição de uma mulher seria apenas a cereja no topo do bolo. No sábado, uma das eleitoras, Hatoon al-Fassi, dizia à BBC que não queria saber dos resultados, nem estava preocupada com a hipótese de nenhuma mulher ser eleita: "É uma sensação excelente. É um momento histórico. Agradeço a Deus estar a vivê-lo. (...) O que realmente interessa é que pudemos exercer este direito."

Mas Hatoon terá agora mais motivos para festejar, depois de as autoridades locais terem começado a divulgar os resultados. Para além de Salma bint Hizab al-Oteibi, que foi eleita no distrito de Madrika (em Meca, a cidade mais sagrada para o islão), outras 16 mulheres mereceram a confiança dos eleitores. De acordo com a comissão eleitoral, Salma concorreu com sete homens e duas mulheres para um lugar no conselho municipal da sua região.

Nem todas as identidades das eleitas tinham sido divulgadas ao final da tarde de domingo (hora de Portugal continental), mas já estavam disponíveis alguns dos nomes que começaram a receber os parabéns através das redes sociais: Huda, eleita em Riad; Lama, Rasha, Sana e Massoumeh, em Jedah; Hanouf, em al-Jawf; Mina e Fadhila, em Arar; Khadra, em Qatif; Aisha, em Jazan.

"Ficaríamos muito orgulhosas nem que tivesse sido eleita apenas uma. Sinceramente, não esperávamos que alguma delas ganhasse", disse à agência AFP Sahar Hassan Nasief, uma activista pelos direitos das mulheres que vive em Jedah.

Em 2011, no auge da Primavera Árabe, o rei Abdullah anunciou um modesto pacote de reformas, que incluía uma autorização para que as mulheres pudessem votar nas eleições municipais de 2015. Abdullah morreu em Janeiro, mas o seu sucessor, Salman, cumpriu a promessa, mesmo que o seu ainda curto reinado esteja a assumir uma linha ainda mais conservadora.

A participação nas eleições de sábado não ultrapassou os 25%; os novos representantes municipais pouco mais podem fazer do que gerir a recolha de lixo e cuidar de jardins; e o número de eleitores registados é apenas mais um sinal de que muito está ainda por fazer – 130 mil mulheres e 1,35 milhões de homens. Mas, quando se olha para as percentagens de participação divididas por género, em pelo menos duas regiões, percebe-se que muitas mulheres não perderam esta oportunidade para enviarem mais um sinal ao regime: na região de Baha, cerca de 82% das mulheres registadas foram votar, contra cerca de 50% dos homens; em Asir, a participação das mulheres chegou a 79%, contra 52% entre os homens, segundo a agência AFP.

O facto de as mulheres sauditas precisarem da autorização de um homem para tomarem várias decisões nas suas vidas limitou o número de candidatas – durante a campanha, por exemplo, as mulheres não podiam expor as suas ideias falando directamente com os homens, e as suas caras não podiam ser estampadas em cartazes.

A formalização dos direitos das mulheres é ainda uma miragem no reino: nem a Constituição nem outras leis sauditas garantem a igualdade entre homens e mulheres. O Comité para a Eliminação da Discriminação Contra as Mulheres das Nações Unidas recomendou, já em 2008, que o sistema saudita que impõe que as mulheres precisem de um guardião para sair à rua ou fazer outras actividades deveria acabar imediatamente. Oficialmente, muitas mulheres são tratadas como menores, sem autoridade sobre a sua vida ou a dos seus filhos, sublinhou no mesmo ano um relatório da Human Rights Watch. 

Mas, como em muitas outras situações, a generalização esconde pormenores importantes para se compreender uma determinada realidade.

"Temos aqui mulheres médicas e engenheiras. Não é verdade que as mulheres estejam ausentes", disse à Al-Jazira uma das candidatas, Lama al-Sulaiman. "Os media internacionais por vezes têm vistas curtas. Apenas relatam as histórias más. São verdadeiras, temos fraquezas, e isso não deve ser menosprezado. Mas pensar que 50% da população está a ser vítima dessas dificuldades também é ridículo."

No sábado, a primeira mulher a ser registada como eleitora em Riad, Salma al-Rashed, dizia à BBC que tinha "85% de certeza" sobre quem iria merecer o seu primeiro voto. "É homem ou é mulher?", perguntou a correspondente da estação britânica. "É a pessoa mais indicada", respondeu Salma.

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