Campanha contra imigração sem documentos gera acusações de racismo no Reino Unido

Política do Governo inclui cartazes com a frase "Vá para casa ou arrisca-se a ser detido", operações de identificação nos subúrbios de Londres e mensagens no Twitter com fotografias de suspeitos.

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Uma das carrinhas que circulou em seis subúrbios de Londres Home Office
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O Home Office está a publicar no Twitter fotografias da detenção de suspeitos Home Office
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O Governo britânico está a ser acusado de "fomentar tensões raciais" devido a uma campanha para identificar imigrantes sem documentos, que tem como lema "Está ilegal no Reino Unido? Vá para casa ou arrisca-se a ser detido". Agentes dos serviços de imigração foram vistos a mandar parar "indivíduos de pele escura" em estações dos subúrbios de Londres e o Ministério do Interior começou a divulgar no Twitter fotografias de detenções de suspeitos.

A edição online do jornal The Independent avança nesta sexta-feira que agentes do Ministério do Interior britânico realizaram nos últimos três dias "operações de identificação aleatórias" em quatro subúrbios de Londres – Walthamstow, Kensal Green, Stratford e Cricklewood. De acordo com testemunhos de pessoas que assistiram às operações, os agentes interrogaram "apenas indivíduos de pele escura".

Um dos habitantes do subúrbio de Kensal Green, identificado como Phil O'Shea, disse ao jornal londrino Kilburn Times que os agentes reagiram com agressividade às questões levantadas por pessoas que não estavam a ser inspeccionadas: "Eles estavam a mandar parar e a interrogar todas as pessoas não-brancas, muitas das quais eram obviamente habitantes de Kensal Green que iam para o trabalho. Quando lhes perguntei o que se passava, ameaçaram deter-me por obstrução e disseram-me para seguir o meu caminho."

Questionado pelo The Independent, o Ministério do Interior negou que estas operações de identificação estejam ligadas à campanha realizada em seis bairros londrinos, também nesta semana, em que duas carrinhas foram postas a circular com um cartaz em que se podia ler a frase "Está ilegal no Reino Unido? Vá para casa ou arrisca-se a ser detido ". De acordo com o mesmo jornal, o ministério não conseguiu, no entanto, dar exemplos de operações de identificação semelhantes no passado.

Oposição diz que liberdades fundamentais" estão em risco
O comportamento dos agentes foi criticado pelo deputado Barry Gardiner, do Partido Trabalhista, na oposição. O deputado escreveu à ministra Theresa May, acusando o Governo de estar a "pôr em causa as liberdades fundamentais" do Reino Unido.

"Ainda não vivemos numa sociedade em que a polícia ou quaisquer outros agentes da autoridade têm o direito de deter pessoas sem uma justificação plausível, para lhes exigir a apresentação de papéis. Mas as acções do seu departamento parecem estar a levar-nos nessa direcção", escreveu o deputado.

A consultora política e activista Christine Quigley, também do Partido Trabalhista, usou o Twitter para criticar as operações nos subúrbios de Londres: "Parece que os inspectores do UKBA [serviço de estrangeiros e fronteiras do Reino Unido] estão a mandar parar apenas pessoas de minorias étnicas em Walthamstow. Para vossa informação, UKBA – nem todos britânicos são brancos."

Em declarações ao The Independent, o representante dos trabalhistas no bairro de Brent, Muhammed Butt, considerou que as operações dos agentes e a campanha "Vá para casa ou arrisca-se a ser detido" estão ligadas. "Estas inspecções não são apenas intimidatórias, são também racistas e geradoras de divisão. Depois de falar com testemunhas, parece que apenas foram interrogadas pessoas negras e de aparência asiática. E os brancos australianos e neo-zelandeses que podem ter ultrapassado os limites da sua estadia?"

Imagens de detenções no Twitter
Nas últimas horas, as acções do Governo britânico contra a imigração de pessoas sem documentos reflectiu-se também nas redes sociais, com o Ministério do Interior a publicar fotografias de suspeitos no momento em que são detidos.

As mensagens são acompanhadas pela palavra-chave #immigrationoffenders (infractores da lei de imigração) e mostram imagens dos momentos das detenções, com a cara dos envolvidos – suspeitos e agentes – escondidas.

As reacções no Twitter vão desde o apoio incondicional a comparações à Alemanha nazi.

"Há algum branco?", questiona o utilizador Dave Sykes. Um outro utilizador, Dev Raval, pergunta se "esta é mais uma ideia que foram buscar aos nazis". No extremo oposto, um utilizador que se apresenta como apoiante do partido UKIP (anti-europeísta e anti-imigração) insta as autoridades a deportarem os suspeitos detidos, enquanto outro pede que o ministério vá actualizando os casos – "O que lhes vai acontecer agora? Por favor, actualizem a informação. Vão deixar que saiam em liberdade?"

Na madrugada desta sexta-feira, foi criada uma conta no Twitter chamada "UK Go Home Office", que se dedica a ridicularizar as mensagens do Governo. Um dos tweets salienta a alegada natureza racista das operações nos subúrbios de Londres: "Olha à tua volta. Os infractores das leis de imigração vêm em várias formas, tamanhos e tons de castanho."

O director executivo da associação de defesa dos refugiados Refugee Action, Dave Garratt, considera que a política do Governo britânico pode "incitar tensões raciais". Num texto publicado no jornal The Independent, Garratt diz detectar sinais de uma "cruzada com vista à criação de um ambiente hostil", com "carrinhas nas ruas com frases ameaçadoras e, alegadamente, pessoas não-brancas a serem mandadas parar e revistadas".

Citado nesta sexta-feira pela edição online do jornal The Guardian, um porta-voz do Ministério do Interior, citado sob anonimato, defendeu a estratégia do Governo: "Não pedimos qualquer desculpa por pôr em prática as nossas leis de imigração e os nossos agentes realizam centenas de operações como esta em Londres ao longo de todo o ano."

Em Maio, uma semana depois dos surpreendentes resultados do UKIP nas eleições locais, David Cameron anunciou que a alteração das leis de imigração seria uma prioridade do seu Governo. A proposta – lida pela rainha na abertura do ano parlamentar – prevê o limite do acesso dos imigrantes a benefícios sociais e aos serviços de saúde e poderá ser aprovada até ao Outono.
 
 
 

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