Cameron ganhou uma maioria, agora tem duas batalhas pela frente

Não perder a Escócia e não perder a Europa. São estes os dois enormes desafios que o primeiro-ministro conservador enfrenta no seu segundo mandato.

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David Cameron AFP

Triunfante mas sem triunfalismos, David Cameron regressou a Londres na manhã desta sexta-feira, vindo do seu círculo eleitoral em Oxfordshire, sabendo que será mais difícil governar este Reino Unido que lhe deu maioria absoluta do que aquele que lhe exigiu uma coligação.

As eleições legislativas de quinta-feira não serviram apenas para escolher um partido para governar, tiveram implícito o futuro territorial da união e a relação do país com a Europa. O novo mapa eleitoral é radicalmente diferente do de há cinco anos, quando Cameron chegou ao poder. Então, a recuperação da economia era a prioridade do primeiro-ministro; hoje, tem no topo da agenda política a relação de Londres com a Escócia e o referendo sobre a permanência ou não do Reino Unido na União Europeia (UE).

Já à porta do n.º 10 de Downing Street, Cameron garantiu duas coisas: que o referendo sobre a permanência do Reino Unido na UE será mesmo realizado e que o Parlamento vai trabalhar o mais rápido possível para devolver uma série de poderes à Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte.

O Partido Conservador de Cameron conseguiu 331 deputados em Westminster, ou seja uma maioria absoluta. O Partido Trabalhista, de Ed Miliband, ficou apenas com 232 - uma derrota pesada que o líder justificou com a ascensão do “nacionalismo escocês”. “Foi uma noite de grande desilusão”, disse Miliband, que pediu “profundas desculpas” aos eleitores do Labour antes de apresentar a sua demissão da liderança do partido.


O ambiente de triunfalismo viveu-se sobretudo na Escócia, onde o Partido Nacional Escocês (SNP na sigla inglesa) obliterou do mapa eleitoral os trabalhistas locais. Foram-lhe atribuídos 56 dos 59 lugares da Escócia no Parlamento de Westminster. Pela primeira vez na história do Reino Unido, um partido nacional torna-se a terceira força política da união, e Cameron não poderá iludir o peso dessa bancada.

A líder do partido, a carismática Nicola Sturgeon, manteve-se cautelosa, durante a campanha, sobre a possibilidade de se realizar um segundo referendo. E o antecessor, Alex Salmond, chegou a dizer que a independência só poderá tornar-se uma realidade para “a próxima geração”. Mas a questão europeia poderá precipitar as coisas.

Isto, porque, para construir este surpreendente mapa eleitoral – as sondagens falharam rotundamente, quer as pré-eleições que empatavam conservadores e trabalhistas quer as que, à boca das urnas, diziam que Cameron deveria ter que repetir uma coligação para conservar o poder – num país de forte sentimento antieuropeu, o primeiro-ministro prometeu um referendo à UE.

Um referendo que desagrada a Edimburgo e aos escoceses, que rejeitam a ideia de abandonar Bruxelas. Entrando pelo campo da especulação, os analistas disseram que os escoceses podem aproveitá-lo para voltar a agitar a bandeira da independência.

O mais provável, porém, é que a Escócia pressione Cameron a conceder mais autonomia política e económica ao governo de Edimburgo. Nicola Sturgeon fez exigências durante a campanha: por exemplo o direito de aumentar, na Escócia, o salário mínimo; o direito de aprovar legislação baixando ou eliminando as propinas universitárias; ou de manter no país uma maior percentagem dos impostos pagos pelos escoceses e que são canalizados para o orçamento da união.

A economia, e a ameaça de que um governo trabalhista poderia avançar com experiências perigosas que deitassem por terra os progressos feitos nos últimos anos, contribuíram para a vitória de Cameron. O primeiro-ministro reeleito fez campanha advertindo para o risco de o Reino Unido voltar a ficar próximo de uma derrapagem económica, como em 2010, quando a despesa era alta e o buraco nas contas públicas profundo. Defendeu a contenção da despesa e redução do défice – com os inerentes cortes no sistema social que existe no país desde a II Guerra Mundial e que Cameron quer continuar a reformar – como base da recuperação da economia britânica, que é a quinta do mundo e a que mais cresceu entre os países da União Europeia. “Deixem-me acabar o trabalho que comecei”, tinha pedido aos eleitores.

Na questão europeia, e para já, Cameron quer negociar um novo acordo entre Londres e Bruxelas, ideia que foi comentada pelo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, que disse estar disposto a ouvir o britânico. Os analistas, no entanto, frisaram o óbvio – Bruxelas não aceitará um acordo que dê regalias e maior autonomia de decisões ao Reino Unido. E Juncker, a avançar-se com uma renegociação do acordo entre a UE e Londres, não deverá ir mais além do que medidas “cosméticas”. Se assim for, Cameron terá poucos argumentos para convencer os britânicos das vantagens de o país permanecer na UE, num referendo que está marcado para 2017.

Uma derrota sem precedentes sofreu também o Partido Liberal-Democrata, parceiro de coligação de Cameron no Governo anterior. Nick Clegg, que era vice-primeiro-ministro, conseguiu manter o seu lugar de deputado, mas perdeu quase toda a sua bancada – em 2010, elegeram 57 deputados, neste Parlamento deverão ter oito. “Foi uma noite cruel e castigadora”, disse Clegg que, tal como Miliband, também se demitiu da liderança do seu partido.

Em relaçãos aos pequenos partidos, o Verde manteve um deputado e o UKIP (anti-imigração e anti-Europa) elegeu também um. No entanto, o seu líder, Nigel Farage, ficou de fora de Westminster e também abandonou a liderança do partido. Outras formações políticas (independentes, partidos galeses e norte-irlandeses) elegeram vinte deputados.

“Esta eleição tem profundas implicações para o país”, disse um derrubado Nick Clegg que, ao longo da vertiginosa noite eleitoral, ainda queria acreditar que as sondagens à boca das urnas estavam profundamente erradas. Estavam – o resultado dos liberais-democratas foi ainda pior do que o previsto.

David Cameron começa um novo mandato difícil, num país distinto do que o elegeu há cinco anos. O Reino Unido está fragilizado e fragmentado sobre vários temas. A gestão será mais difícil, mas o primeiro-ministro está mais forte, dizem os analistas. Já depois de ter recebido luz verde da Rainha Isabel II para formar Governo, Cameron prometeu uma “Grã-Bretanha ainda maior” e garantiu que vai lutar para reforçar a “união do Reino Unido”.

“Em primeiro lugar, ele sente-se vingado na sua liderança, tantas vezes posta em causa pelo seu próprio partido. Conseguiu uma grande vitória”, considera Hugo Dixon, analista da Reuters e autor do livro Porque deve o Reino Unido permanecer na UE. Além disso, tem muito a provar nestes cinco anos que vão ser os seus últimos. Cameron anunciou, no início da campanha, que não se recanditará a um terceiro mandado. Quer deixar encerrados todos os dossiers e, sobretudo, não quer ficar na História como o homem que tirou o país da Europa ou como o último primeiro-ministro do Reino Unido composto por quatro países.

O ambiente político será tenso e difícil, considera Dixon, mas Cameron será “um primeiro-ministro com mão forte”. Terá a seu lado os principais ministros do Governo anterior (fez questão de o anunciar ao fim do dia), recompensando o seu ministro das Finanças, George Osborne, com o título de “primeiro secretário de Estado” o que, na prática, faz dele o vice-primeiro-ministro em tudo menos no nome.
 

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