Ao deixar de ser "aborrecida", a política britânica tornou-se imprevisível

O mecanismo tradicional da política também se quebrou no Reino Unido — como aconteceu na Grécia e irá acontecer em Espanha e em França. Cameron está à frente nas sondagens, mas a ascensão do multipartidarismo torna prematuro dizer quem será o próximo primeiro-ministro ou que tipo de governo irá surgir.

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Cameron e Miliband — a dupla do costume enfrenta o multipartidarismo Toby Melville/Reuters

A primeira conclusão das sondagens é que a política britânica deixou de ser aborrecida, No dia 7 de Maio, quando votarem nas legislativas, os cidadãos vão eleger um Parlamento nunca visto na História do Reino Unido. Seis partidos podem ultrapassar a barreira dos 5% dos votos, conseguindo representação na Câmara dos Comuns de Westminster.

Será uma revolução num reino onde, apesar de ter havido quase sempre um terceiro partido na orla do poder, o sistema era classificado como bipardidário. De tal forma trabalhistas e conservadores (esquerda e direita) rodaram a governação entre si que o actual executivo já era uma fuga à tradição — pela primeira vez em 70 anos, o Reino Unido é governado por uma coligação (entre os conservadores do primeiro-ministro, David Cameron, e os liberais democratas de Nick Clegg).

A segunda conclusão das sondagens é que, ao deixar de ser "aborrecida" (o termo é da Economist), a política britânica se tornou imprevisível. De tal forma que o jornal The Guardian decidiu actualizar diariamente a sua previsão eleitoral, feita a partir das que considera serem as mais credíveis das muitas sondagens que vão sendo publicadas.

Nesta sexta-feira, e segundo a previsão do Guardian — que não se cansa de sublinhar que o barómetro só reflecte o momento e não é um indicador do que vai acontecer a 7 de Maio —, a vitória eleitoral pertence a David Cameron. Se as eleições fossem agora, o primeiro-ministro conseguiria eleger 276 deputados, num colectivo de 650 elementos. Os trabalhistas, chefiados por Ed Miliband, elegeriam 271.

Perante este resultado, a pergunta do momento é: se os resultados forem tão próximos como esta previsão, qual deles será primeiro-ministro? "A mais de dois meses da votação e com as margens tão apertadas, ainda há muitas peças para movimentar e que podem mudar o jogo a favor de Miliband ou de Cameron", lê-se na análise do Guardian à sua previsão diária.

As peças em movimento são os outros partidos que tornam estas eleições legislativas pouco próprias para cardíacos.

Alguns parecem claramente alinhados. Outros podem aliar-se quer a conservadores quer a trabalhistas. Ainda que quase todos tenham dito não estar disponíveis para alianças. Confuso?

Respondem os analistas que a mudança de paradigma na estrutura política britânica pode criar uma instabilidade até aqui desconhecida na ilha — ainda que bem conhecida no resto da Europa, onde crises seguidas de eleições antecipadas não são novidade. A possibilidade de surgir um cenário de um Governo minoritário — que não seria inédito — parece estar fora de questão, devido à fragmentação do Parlamento e à presença de forças políticas com agendas e objectivos diferentes.

O Partido Nacional Escocês (SNP) tem como objectivo a independência do país; o Partido Independente do Reino Unido (UKIP, extrema-direita) tem como objectivo a saída do reino da União Europeia e assume-se como uma força política que quer ser governo, no futuro; o Partido Verde tem como objectivo "a saída do ‘hipercapitalismo’ do Reino Unido e da Europa", como diz a Economist. O Partido Liberal Democrata de Clegg... quer manter-se pertinente na política inglesa e pode aliar-se a Cameron, mas não descarta juntar-se a Miliband. As previsões dizem que vai perder "momento" ao ficar sem metade dos seus 57 deputados.

Cameron poderá tentar aliar-se novamente aos lib-dem. Mas precisa de 326 deputados para formar um governo sólido e juntar-se também ao UKIP (do polémico Nigel Farage) é uma possibilidade — a contrapartida poderia ser o referendo sobre a presença do Reino Unido na UE.

"Mas, neste momento, o factor mais importante para determinar o resultado desta eleição é a Escócia", lê-se na análise do Guardian à sua previsão diária. O SNP, com uma previsão de eleição de mais de 40 deputados para Westminster, é o aliado natural de Miliband, a quem continua a roubar votos na Escócia. Mas as contrapartidas também serão pesadas: um segundo referendo à independência (em Setembro o "não" ganhou por curta margem) e compromissos nacionais (por exemplo, sobre o aumento dos gastos com a Segurança Social) ou regionais.

A paisagem política mudou e o comportamento dos eleitores mudou. Há meio século, um em cada quatro eleitores britânicos dizia identificar-se com um dos dois grandes partidos; agora apenas um em cada dez eleitores se mantém fiel ao modelo tradicional. A divisão esquerda-direita diluiu-se, a desconfiança com a classe política cresceu e os eleitores "andam à pesca", como disse à Economist Tim Bale, cientista político da Queen Mary University, em Londres.

É neste exercício de "pesca" por parte dos eleitores que se jogam as eleições de 7 de Maio. O próximo primeiro-ministro, e o rumo da política interna e externa do Reino Unido, depende do número de votos que os novos partidos — todos em ascensão; o UKIP teve uma quebra nas últimas semanas, mas deverá passar dos 3% de 2010 para 15% — conseguirem roubar à dupla do costume.

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