Cameron faz uma revolução no Governo a apontar para as eleições de 2015

A principal saída é a do ministro da Educação, Michael Gove, muito contestado no país, em especial pelo professores. Ministério dos Negócios Estrangeiros recebe um líder que vai reforçar o cepticismo em relação à União Europeia.

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O primeiro-ministro britânico não poupou os seus ministros mais próximos Stefan Rousseau/Reuters

Mais do que uma profunda remodelação governamental, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, provocou nesta terça-feira a maior revolução no seu executivo desde que chegou ao poder, em Maio de 2010.

O pedido de demissão do veterano ministro dos Negócios Estrangeiros, William Hague, na noite de segunda-feira, foi a mola que impulsionou o chefe de Governo a mudar quase tudo, numa tentativa de dar novo fulgor ao seu Partido Conservador para as eleições legislativas, marcadas para a primeira metade do próximo ano.

Um dos novos rostos é Philip Hammond, até agora ministro da Defesa, que passa a ser o principal rosto da política externa do Reino Unido.

É um cargo de importância vital para a gestão do habitual clima de tensão entre Londres e Bruxelas, que tem atingido níveis preocupantes nos últimos tempos. Apesar de Hague não ser propriamente um defensor acérrimo do actual modelo de União Europeia, Hammond foi o homem que disse publicamente, no ano passado, que não pensaria duas vezes em sair da UE se o Reino Unido não obtiver tudo o que pretende de Bruxelas para continuar a fazer parte da Europa dos 28.

William Hague, um ministro que foi conseguindo construir pontes na União Europeia apesar do enraizado eurocepticismo britânico, passou a ser visto como "um vendido, um homem suspeitamente confortável nas cimeiras de Bruxelas e com a linguagem do compromisso", escreve o colunista do Financial Times Janan Ganesh.

A direita mais conservadora, afirma Ganesh, "vai gostar do seu sucessor, Philip Hammond" – mas o romance não deverá durar muito tempo; só até "também ele começar e mostrar sintomas de euro-pragmatismo".

Para além da saída de William Hague – que abandona o Governo britânico pelo seu próprio pé para fazer uma transição de um ano até regressar à sua velha paixão pela literatura e pela defesa de causas sociais e humanitárias –, a grande notícia do dia foi a despromoção do polémico ministro da Educação.

Michael Gove, o inimigo público n.º 1 para a generalidade dos sindicatos dos professores britânicos, passa de ministro a "chief whip", uma posição essencialmente parlamentar, que não garante uma presença em todos os conselhos de ministros, mas que ainda assim pode ser utilizada pelo primeiro-ministro para manter o seu leal amigo como um dos principais conselheiros.

A generalidade dos media britânicos escolhe a saída de Michael Gove como a maior surpresa da super-remodelação governamental, interpretando-a como um sinal de fraqueza do primeiro-ministro, que assim terá acabado por ceder às pressões dos sindicatos dos professores.

Para o principal comentador de política do jornal The Independent, John Rentoul, a decisão de David Cameron pode ter sido cobarde, mas foi também a decisão mais acertada, precisamente porque o ódio dos professores a Michael Gove já atrapalhava mais o Governo do que as suas reformas supostamente ajudavam o país.

"Foi cobarde tirá-lo da Educação, onde as suas reformas das escolas precisam da sua visão e da sua determinação para serem prosseguidas. Mas por vezes a cobardia é o que determina estas decisões políticas, e é verdade que a impopularidade de Gove junto dos professores significa que o progresso já tinha sido travado", escreve o jornalista.

"O ódio dos professores tornou-se tão irracional que já não havia nada a fazer a não ser acalmá-lo", conclui John Rentoul.

Em resumo, Michael Gove é o cordeiro que David Cameron teve de sacrificar para melhorar a imagem pública do seu Governo, mas principalmente para melhorar as hipóteses de uma reeleição em 2015.

O Financial Times faz a mesma interpretação, mas apresenta a decisão de David Cameron como a maior prova de que o primeiro-ministro não tem problemas em mostrar o seu "lado mais brutal".

"O primeiro-ministro admira o zelo reformista do sr. Gove, mas o ministro da Educação tornou-se impopular entre os eleitores, e particularmente entre os professores, e foi revelando uma tendência para travar batalhas com os seus colegas", nota o Financial Times.

O frenesim reformista de Gove acabou por precipitar o seu fim como governante, mas algumas das suas decisões podem ter "um efeito duradouro", salienta The Guardian.

"A maioria dos ministros da Educação ou promovem reformas estruturais ou tentam alterar o conteúdo educativo (…) Gove saiu do padrão ao pôr em causa ambas as áreas ao mesmo tempo, e em quatro anos alterou completamente o sistema de exames e curricular ingleses e mudou radicalmente a forma com as escolas são administradas. Com isso, gerou ondas de críticas por parte do sector, devido ao ritmo das reformas. Na era Gove, administrar uma escola primária ou secundária em Inglaterra foi uma experiência alucinante, com cada mês a trazer novas iniciativas que tinham de ser adoptadas ou alterações rápidas que mudavam tudo o que estava a ser feito. Muitos queixavam-se de exaustão, mas para alguns foi uma entusiasmante época de oportunidades", escreve o editor de Educação do The Guardian, Richard Adams.

Seja como for, Michael Gove tinha de sair, e para o seu lugar entrou Nicky Morgan, também para aumentar o número de mulheres no actual Governo – outro dos objectivos de David Cameron para melhorar a sua imagem junto do eleitorado.

No The Independent, o jornalista John Rentoul roça a descredibilização total da nova ministra da Educação, ao escrever que pouco se sabe sobre as suas ideias em relação às escolas – "e é mesmo isso que o Partido Conservador precisa para os próximos nove meses", afirma, dando a entender que Cameron escolheu alguém para não fazer muitas ondas no já agitado mar do ensino.

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