“Cada um de nós tem dentro de si um bocadinho da história dos outros”

André Azoulay recebeu o Prémio Norte-Sul do Conselho da Europa ao lado da freira ilrandesa Maura Lynch.

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André Azoulay é conselheiro do rei de Marrocos Nuno Ferreira Santos

André Azoulay é conselheiro do rei de Marrocos e foi presidente da Fundação Euro-Mediterrânea Anna Lindh para o Diálogo entre Culturas. Integra o Grupo de Alto Nível da Aliança das Civilizações das Nações Unidas e é fundador do Grupo Aladin, que trabalha nas relações interculturais entre a comunidade islâmica e o resto do mundo. Aos 74 anos, recebe o Prémio Norte-Sul do Conselho da Europa convencido que “é preciso resistir e dar voz às populações”.

PÚBLICO: Este é um momento difícil para trabalhar na promoção do diálogo inter-religioso. Nunca pensa em desistir?
André Azoulay: Estou muito feliz com esta distinção, mas recebê-la neste momento é uma grande responsabilidade. Tenho o privilégio de dizer que sou um marroquino que também é judeu, berbere e árabe. É uma identidade legítima e coerente, esta identidade mediterrânica. O Mediterrâneo não é apenas a água onde eu molho os pés, é o que transporto na minha cabeça. Esta referência mediterrânica é uma espécie de roteiro para combater, para resistir ao recuo e ao fechamento.

Trabalha com governos, mas também com as populações. É fácil levar a voz das ruas até aos gabinetes?
A fundação Anna Lindh é uma organização intergovernamental, mas é mais do que isso, é o lugar legítimo da sociedade civil. Quando cheguei à presidência, havia 1200 ONG na rede, quando saí, há três meses, havia mais de 4000. A sociedade civil não é burra, exprime muito mais do que esta cultura da fractura e da negação do outro que os extremistas nos querem impor. Ouvi mais sabedoria da sociedade civil do que dos responsáveis executivos. Eu transporto comigo esta experiência e isso é um sinal de esperança. Agora, não podemos dizer impunemente que vamos ajudar a sociedade civil e depois ser surdos quanto esta sociedade civil nos mostra o caminho.

Mas isso acontece…
Sim, mas é preciso fazer passar esta mensagem. Eu recuso que a minha história, a minha religião, a minha civilização, seja feita refém dos que nos querem instrumentalizar, afastar-nos dos outros. A minha religião diz-me que tenho de me aproximar dos outros. Foi isso que eu aprendi dos meus professores também, em Essaouira, antiga Mogadouro [portuguesa]. A minha história diz-me o mesmo. Tenho 3000 anos de idade, o judaísmo chegou a Marrocos sete séculos antes de Jesus Cristo, muito antes da civilização árabe-muçulmana. Eu não venho de outro planeta. Sou de Marrocos e faço parte desta realidade. Se eu não acreditasse que esta partilha tem de ser possível desistia. Hoje viramos as costas uns aos outros e tornamo-nos autistas, amnésicos, esquecemos tudo o que partilhámos nesta região. O Mediterrâneo não é para ser invocado num discurso de conveniência, o Mediterrâneo deu ao mundo a modernidade social. E todos os que hoje querem ser amnésicos continuando-se a dizer mediterrâneos não são legítimos.

Muitos líderes estão amnésicos. Os líderes europeus não conseguem sequer entender-se para receber 40 mil pessoas que pedem asilo na Itália e na Grécia.
Isso é uma negação da própria história da Europa. Cada um de nós tem dentro de si um bocadinho da história dos outros, é preciso resistir. Quando dizemos a verdade e tomamos em conta a sociedade civil, percebemos que as pessoas têm uma curiosidade pelo outro e um apetite de partilha que não encontramos nos líderes políticos. É uma contradição que nos deve fazer interrogar.

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