Bruxelas teme que Cameron lance “bomba atómica” contra Juncker

Primeiro-ministro britânico pode vetar, na cimeira de sexta-feira, a nomeação do luxemburguês para suceder a Durão Barroso.

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Cameron poderá evocar um "interesse vital" para rejeitar Juncker ERIC PIERMONT/AFP

O alarme instalou-se entre os países da União Europeia (UE) face ao risco de David Cameron, primeiro-ministro britânico, avançar para o que é considerado uma verdadeira “bomba atómica” para bloquear, na sexta-feira, a nomeação de Jean-Claude Juncker para suceder a Durão Barroso na presidência da Comissão Europeia.

Os rumores abundam em Londres sobre a possibilidade de Cameron invocar o chamado “compromisso do Luxemburgo” para vetar a nomeação do luxemburguês durante a sessão de sexta-feira da cimeira de líderes dos 28 membros da UE, em que a decisão é esperada.

Nenhuma confirmação ou desmentido dos rumores foi emitida pelo Governo britânico. Em Bruxelas, em contrapartida, a ameaça é levada muito a sério. “Não há fumo sem fogo”, afirmou um embaixador europeu que considera que um eventual veto britânico terá consequências “muito sérias” para as relações entre o Reino Unido e a UE.

O “compromisso do Luxemburgo” é um acordo de cavalheiros que foi concluído em 1966 para acabar com a chamada crise da “cadeira vazia” aberta pelo então presidente francês, Charles de Gaulle.

A crise foi provocada pela recusa dos franceses de se sentar à mesa do conselho de ministros europeu (dos então Seis países fundadores) – que tem a competência para aprovar, alterar ou rejeitar as propostas legislativas da Comissão Europeia – para protestar contra a passagem da unanimidade para a maioria qualificada numa série de decisões europeias.

Prevista no Tratado de Roma de 1957, esta substituição progressiva da unanimidade pela maioria qualificada resultou da vontade dos países fundadores de orientar o projecto europeu de uma cooperação entre Governos – intergovernamental – para uma integração “comunitária”, assente cada vez mais em instituições europeias viradas para o aprofundamento do interesse comum.

A crise da “cadeira vazia”, que durou sete meses, foi resolvida graças ao “compromisso do Luxemburgo” no qual os Seis aceitaram que se absteriam de tomar uma decisão por maioria qualificada sempre que a sua aprovação pudesse afectar um “interesse vital” de um dos países membros.

Este compromisso, que nunca teve expressão jurídica em nenhum Tratado da UE, é considerado uma verdadeira  “bomba atómica” a ser invocada apenas em casos absolutamente excepcionais, com custos políticos importantes para o país em causa.

Este direito de veto é considerado totalmente contrário ao espírito e à letra dos Tratados e é visto como o símbolo dos aspectos mais negativos da Europa “intergovernamental” em que os grandes e poderosos predominam sobre os mais pequenos e fracos, com a agravante de que representa  uma ameaça real de bloqueio da UE.

Na memória de um diplomata europeu com uma longa experiência, este compromisso foi invocado pela última vez em 2005 pela Polónia num diferendo sobre a reforma do regime de ajudas comunitárias à produção de açúcar, e contou com o apoio da França e do Reino Unido.

Portugal invocou em pelo menos duas ocasiões (nos Governos de  Cavaco Silva e de Durão Barroso) um “interesse nacional”, tendo o cuidado de evitar a palavra proibida, enquanto ameaça velada de veto para obter concessões para a indústria têxtil e para o sector agrícola.

O “interesse vital” de Londres

O risco de Cameron invocar um “interesse vital” é tanto maior quanto Londres se colocou numa posição de total isolamento na oposição à nomeação de Juncker, o candidato indicado pelos partidos de centro-direita (PPE) à sucessão de Barroso.

Para Cameron, o luxemburguês, grande defensor do aprofundamento da integração europeia, representa tudo o que o seu partido conservador, cada vez mais anti-europeu, combate.

Os britânicos recusam igualmente dar ao Parlamento Europeu (PE) o poder de impôr o nome do próximo presidente da Comissão, insistindo em que esta competência pertence, segundo o Tratado da UE, aos Estados. Os eurodeputados apoiaram-se no entanto no facto de terem o poder de votar ou rejeitar a escolha dos Governos para os pressionar a aceitar o candidato oficial do partido mais votado nas eleições, ou seja, o PPE de Juncker.

Isolado, e contando apenas com o apoio do seu homólogo húngaro, Viktor Orban, Cameron já deixou em todo o caso claro que pedirá a Herman Van Rompuy, que preside às cimeiras dos 28, para proceder a uma votação, uma situação já de si totalmente inédita quando os líderes deliberam sempre por consenso.

Desde o Tratado de Nice de 2002, no entanto, que a nomeação do presidente da Comissão Europeia apenas precisa do apoio de uma maioria qualificada dos 28, o que, neste caso, está mais do que garantido.

Angela Merkel, chanceler alemã, deixou claro na quarta-feira durante um debate no parlamento federal que “não será uma tragédia” se Juncker tiver de ir a votos, deixando desta forma implícito que quer uma decisão na sexta-feira.

Apesar desta determinação, porém, o embaraço é grande em Bruxelas face à eventualidade de um veto britânico, uma situação para a qual os 28 estão totalmente desarmados.

“O compromisso do Luxemburgo existe para o conselho de ministros [dos 28], mas nunca foi um argumento no Conselho Europeu [as cimeiras de líderes]”, assegura um responsável europeu.

O problema, reconhecem vários diplomatas, é que mesmo se esta  fórmula não tem qualquer base jurídica, “o compromisso do Luxemburgo existe politicamente na cabeça de alguns” dos líderes.

O que significa que a dúvida persistirá até sexta-feira sobre o que farão os 28 na eventualidade de um veto britânico.

Três opções

As opções possíveis serão três: abandonar pura e simplesmente a nomeação de Juncker e procurar um nome consensual para a totalidade dos 28, adiar a decisão duas ou três semanas para permitir um “tempo de reflexão”, ou forçar uma decisão contra Cameron.

Por enquanto, a primeira opção parece totalmente afastada, tanto mais que o PE exige que o sucessor de Barroso seja Juncker. Do mesmo modo, ninguém antevê que os líderes optem por forçar a mão ao homólogo britânico, por saberem que correm o risco de ser também eles ignorados se um dia tiverem um “interesse vital” em jogo.

O desfecho mais provável nesta eventualidade será um simples adiamento da decisão para uma nova cimeira extraordinária algures durante o mês de Julho que já está de todos os modos informalmente prevista para escolher o próximo alto representante para a política externa e o novo presidente do Conselho Europeu em substituição de Catherine Ashton e Herman Van Rompuy, respectivamente.

Os dois cargos, que vagam a 30 de Novembro, também deveriam ser preenchidos na sexta-feira, mas a decisão foi adiada para “mais tarde” a pedido, segundo um diplomata europeu, da Alemanha.

Em qualquer dos cenários, o chefe do Governo britânico – que enfrenta uma pressão interna cada vez mais forte contra a UE – poderá ganhar alguma popularidade ao apresentar-se à sua opinião pública como um homem de convicções que se bateu até ao fim pelo que considera o melhor para a Europa, mesmo correndo o risco de ser derrotado.

Uma sondagem do Financial Times indica que a estratégia de Cameron está a ter sucesso no seu país: 49% das cerca de 2 mil pessoas sondadas apoia a sua posição mesmo que saia derrotado na sexta-feira, contra 22% que a consideram um erro.

O mesmo tipo de apoio nas sondagens já tinha sido registado quando o líder britânico se distanciou (juntamente com a República Checa) do Tratado orçamental europeu aprovado por 25 países em Dezembro de 2011.

Para os outros Governos, pelo contrário, e estratégia de Camerom comporta um risco de agravamento do isolamento do Reino Unido na Europa, que poderá acelerar a sua saída da UE.

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