Bruxelas avança com "plano de acção imediata" para responder à crise no Mediterrâneo

Parceiros europeus aceitam reforço de meios para as operações de patrulhamento e segurança marítima. Cimeira extraordinária para discutir crise migratória foi marcada para quinta-feira.

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O primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, afirmou que e Europa não pode fechar os olhos em relação ao que se passa no Mediterrâneo, como fez há 20 anos em relação a Srebrenica Max Rossi/Reuters

Pressionada por uma crise migratória e humanitária sem precedentes no mar Mediterrâneo, a Comissão Europeia avançou esta segunda-feira com um “plano de acção imediata” que prevê, entre outras medidas, o reforço urgente das operações marítimas de busca e salvamento com o objectivo de evitar novas tragédias como a que resultou na morte de cerca de 900 pessoas, após o naufrágio de um pesqueiro carregado de imigrantes, no domingo.

A urgência da acção voltou a ficar evidente logo pela manhã desta segunda-feira, quando as autoridades costeiras de Itália e Malta foram chamadas a responder a pedidos de socorro lançados por embarcações à deriva, em risco de naufrágio e com centenas de pessoas a bordo. Informações avançadas pela Organização Internacional das Migrações (OIM) apontavam para o possível afundamento de um barco com 300 pessoas a bordo, e de um outro bote de borracha com 100 a 150 imigrantes, ambos ao largo da Líbia – perante a escassez de meios “oficiais” para uma missão de resgate, foi feito um apelo ao redireccionamento de navios da marinha mercante.

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Um outro veleiro com 80 imigrantes clandestinos encalhou perto do porto grego de Rodes: no desembarque, ficou a saber-se que dois adultos e uma criança não sobreviveram à viagem. Enquanto isso, os corpos de 24 vítimas do naufrágio de domingo começaram a chegar a terra.

Os incidentes dos últimos dias são apenas uma amostra da realidade actual no Mediterrâneo: numa dramática luta pela sobrevivência, milhares de pessoas em situação de debilidade extrema ficam na mão de redes de contrabando que prometem o “paraíso” europeu sem nenhuma garantia, perante a indiferença dos políticos europeus. O primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, ofereceu um equivalente histórico para o drama em curso no Sul da Europa, referindo-se a um novo genocídio: “Há vinte anos a Europa fechou os olhos perante o massacre de Srebrenica. Mas não podemos fazê-lo de novo, para não ver a destruição de muitos milhares de vidas no Mediterrâneo.”

O apelo surtiu algum efeito: horas depois, o presidente do Conselho Europeu confirmava a presença de todos os chefes de Governo numa cimeira extraordinária, agendada para quinta-feira, para discutir a pressão migratória nas fronteiras europeias. “Não espero nenhum tipo de solução rápida e milagrosa para as causas que estão por detrás deste fluxo. Mas espero que a diplomacia europeia seja capaz de apresentar medidas de acção imediata para aliviar este sofrimento”, declarou Donald Tusk.

Algumas medidas extraordinárias foram apresentadas aos ministros dos Negócios Estrangeiros e do Interior da União Europeia, reunidos de emergência no Luxemburgo. Segundo o ministro do Interior da Alemanha, Thomas de Maiziere, a Comissão propôs duplicar o financiamento e os meios dos programas de segurança e patrulhamento marítimo Tritão e Poseidon e alargar a sua área de intervenção. Mas mesmo depois deste reforço, as duas missões terão menos recursos do que o anterior programa de vigilância Mare Nostrum do Governo italiano, que foi abandonado no ano passado.

Mas como “as buscas e salvamento são apenas uma das faces da moeda, como notou o governante alemão, a Comissão também aprovou medidas para a penalização das redes criminosas que lucram com o transporte de imigrantes para a Europa. Thomas de Maiziere disse que o bloco vai usar a operação anti-pirataria Atalanta, em curso na costa da Somália, como referência para os seus esforços de “captura e destruição” das embarcações usadas no tráfico do Mediterrâneo, e vai dar prioridade à investigação (policial e judicial) das redes contrabandistas – sobre essas operações, que combinam uma vertente civil e militar, foram dados poucos detalhes.

Outras iniciativas dizem respeito ao alojamento ou expatriamento de imigrantes clandestinos e refugiados. A agência europeia de controlo das fronteiras europeias, Frontex, terá novos poderes para proceder ao repatriamento de imigrantes ou candidatos a asilo cujo processo seja “irregular”. Ao mesmo tempo, Bruxelas também propôs aos países a adopção de um “mecanismo de realojamento de emergência” dos imigrantes que chegam à costa, e a criação de um programa-piloto voluntário para a redistribuição de refugiados pelos países da UE.

Os apelos à acção concertada da Europa no mar e em terra, tanto na vigilância e intercepção de embarcações e nas operações de salvamento, como na recepção e avaliação dos processos dos refugiados e candidatos a asilo, têm surgido dos mais variados quadrantes. Contudo, o consenso necessário para a adopção de medidas tem-se revelado difícil de alcançar, com os parceiros divididos sobre a melhor forma de resolver os dilemas económicos e políticos (crise económica, desemprego) com que a UE se confronta.

Além disso, a conjuntura eleitoral não facilita o entendimento, com o espectro do crescimento dos partidos anti-imigração de extrema-direita a influenciar a tomada de decisões. O alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad al-Hussein, criticou a “insensibilidade” dos políticos europeus para o drama das “populações mais vulneráveis do mundo” e, ainda mais duramente, o “envenenamento da opinião pública” pelos partidos “populistas xenófobos”. Como resultado, lamentou este dirigente, foram extintos “programas valorosos”, como, por exemplo, o Mare Nostrum do Governo italiano, e adoptadas políticas “míopes e de curto prazo”, que ameaçam transformar o Mediterrâneo “num vasto cemitério”.

A actual situação de catástrofe humanitária, prosseguiu, é resultado do “fracasso contínuo das políticas dos Governos, ao qual se junta um monumental falhanço em termos de compaixão”. O fim das operações de salvamento em alto mar “não reduziu o fluxo migratório nem travou as redes contrabandistas, apenas contribuiu para mais mortes no Mediterrâneo”, observou. Por isso, aconselhou, em vez de fechar as portas à entrada de imigrantes e refugiados, a Europa deveria reconhecer os direitos daqueles que pedem asilo e daqueles que podem suprir as necessidades de mão-de-obra (não-qualificada) da sua economia. “A União Europeia deveria ter uma abordagem mais sofisticada e corajosa e não continuar indiferente ao desespero e morte de milhares de imigrantes que se aventuram em barcos que nem deveriam navegar para chegar à costa europeia”.

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