Brasil aproveita oportunidade aberta pelas sanções russas

Outros países da América Latina e também a Turquia estão a posicionar-se para virem a ser vencedores na guerra económica em curso entre a Rússia e o Ocidente.

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AFP

Numa economia global, as perdas de uns tendem a ser os ganhos de outros. Os cortes nas importações decididos por Moscovo trouxeram apertos a algumas economias europeias, mas estão a abrir o mercado russo às exportações de outros países, entre os quais o Brasil, que se apressou a aproveitar a oportunidade.

A necessidade de a Rússia encontrar fornecedores de carne e cereais está a alimentar expectativas de um aumento das exportações brasileiras para aquele mercado, após anos em que as relações comerciais entre os dois países sofreram um arrefecimento.

Logo a 7 de Agosto – dia em que o governo russo anunciou que o país deixaria de importar carne, peixe, vegetais, fruta e lacticínios dos EUA, União Europeia, Noruega, Austrália e Canadá –, o ministro da agricultura da Rússia, Nikolai Fyodorov, adiantou que as restrições seriam compensadas por compras de carne ao Brasil e a outros países da América Latina, entre os quais o Chile, a Argentina e o Equador. 

Naquele mesmo dia, o governo brasileiro anunciou que 90 fábricas de carne tinham acabado de receber autorização para exportar para o mercado russo. O secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Seneri Paulodo, afirmou na altura que se abria “uma grande janela para o Brasil”. 

Aquela não foi uma medida de última hora. “As negociações para ampliar a relação comercial com a Rússia já estavam em andamento há mais de seis meses”, explica ao PÚBLICO o secretário para as Relações Internacionais daquele ministério, Marcelo Junqueira.

Na sequência das sanções, a Comissão Europeia fez saber que faria pressão junto dos países da América Latina para que se solidarizassem com a posição ocidental, mas a estratégia não parece estar a dar frutos, nem no Brasil, nem nos restantes países. “Estamos preparados para atender à crescente procura mundial, sem preferência por este ou aquele cliente”, assegura Junqueira.

Enquanto o Brasil aumenta a exportação de carne e espera fazer o mesmo com cereais, outros países da América Latina tentam também intensificar as relações comerciais que já têm com a Rússia.

Entre os produtos embargados por Moscovo, o Chile já vende à Rússia peixe, frutas e carne de porco, ao passo que a Argentina exporta fruta, carne de vaca e queijo. Do Equador são enviados café, bananas e chá. Os contactos com estes países foram rapidamente postos em curso pela diplomacia russa e estão a ter consequências. Esta semana, 12 empresas de peixe chilenas receberam autorizações para exportar.

Relações aquecem
O estreitar de relações entre o Brasil e a Rússia surge após um período em que as trocas comerciais caíram. “Apesar de o Brasil e a Rússia integrarem o grupo dos BRICS [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul], o comércio entre os dois países tem perdido dinamismo nos últimos anos”, nota o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, Fábio Faria. Em 2010, a Rússia era o décimo principal destino das exportações brasileiras. Em 2013, tinha caído para a vigésima posição.

Porém, mesmo antes das sanções, já 2014 estava a ser um ano de inversão da tendência. Até Julho, as exportações brasileiras para a Rússia cresceram 25% face ao mesmo período do ano passado, em parte impulsionadas por uma subida na venda de carne. “Há uma expectativa favorável de ampliação das vendas, especialmente dos produtos agrícolas, o que é bom, sobretudo num momento de retracção das exportações”, diz Fábio Faria.

Já Marcelo de Paiva Abreu, professor de Economia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, nota que as relações anteriores entre Moscovo e Brasília eram “bastante ténues”. O académico argumenta que “a deterioração das relações políticas e económicas da Europa e dos EUA com a Rússia certamente abre espaço para maior aproximação, e contribui para dar substância ao bloco dos BRICS”. 

Fora da América Latina, a Turquia – candidata desde 1999 a membro da União Europeia – é outro dos países a querer aproveitar a oportunidade. “A Turquia é um grande fornecedor de alimentos e produtos agrícolas à Rússia. Estamos prontos para aumentar as exportações alimentares para a Rússia, se necessário”, afirmou o ministro da Economia turco, Nihat Zeybekc, dias após o anúncio de Moscovo. No ano passado, a Rússia representou 7% das exportações alimentares turcas, segundo dados compilados pela ONU. 

Também a Bielorrússia começou a tomar medidas para beneficiar das sanções. O país pôs fim a uma proibição de importar animais vivos da União Europeia, com o objectivo de os abater e exportar a carne para o mercado russo. O anúncio foi feito esta semana, após a Rússia ter feito uma concessão e clarificado que aceitaria carne com origem na UE e processada na Bielorrússia.

Vencedores internos
Também dentro da economia russa há quem esteja a ganhar com as restrições às compras feitas a outros países.

Para as grandes empresas russas no sector, a falta de concorrência estrangeira já está a ter efeitos positivos, graças ao aumento da procura e dos preços. Entre as que estão cotadas em bolsa, também as acções têm vindo a subir nos últimos dias. Segundo a agência Reuters, uma das grandes empresas de peixe russas, a Russkoe More, viu as acções dispararem 70% desde o anúncio das sanções.

Por outro lado, o ministro da Agricultura anunciou na sexta-feira estar a trabalhar num plano para investir, entre 2015 e 2020, cerca de 13 mil milhões de euros, que se destinarão sobretudo a ajudar os produtores de carne.

“Conseguimos cobrir a importação de carne de frango e de porco no curto prazo com a nossa própria produção, mas vamos precisar de estender os subsídios a este sector”, afirmou o ministro Nikolai Fyodorov, citado pela imprensa russa.

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