Bradley Manning detido nove meses numa "jaula" em "condições absurdas"

O soldado, acusado de ter passado milhares de documentos confidenciais à WikiLeaks, falou pela primeira vez em tribunal.

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Acordo proposto pode reduzir prisão de Manning de 72 para 16 anos rendan Smialowski/AFP

Encurralado numa minúscula cela sem janelas 23 horas por dia, Bradley Manning, o soldado acusado de ter passado à WikiLeaks centenas de milhares de documentos confidenciais sobre as guerras no Iraque e no Afeganistão, viveu nove meses em "condições absurdas" na base dos marines em Quantico, na Virgínia.

Alguns pormenores das privações do soldado de 24 anos após a sua detenção no Kuwait, a 26 de Maio de 2010, já eram conhecidos, mas foram finalmente contados na primeira pessoa na quinta-feira, durante as audições preliminares com vista ao seu julgamento, que deverá começar em Fevereiro de 2013.

Questionado pelo seu advogado na base militar de Fort Meade, em Maryland, o homem que a América se habituou a tratar como herói ou traidor, consoante as convicções de cada um, contou como foi estar confinado a "uma jaula" entre 29 de Julho de 2010 e 20 de Abril de 2011 – nove meses dos 923 dias em que se encontra detido sem julgamento.

Nervoso, mas com algum sentido de humor, Manning disse em tribunal que "o ambiente em Quantico não era o ideal", uma declaração que arrancou sorrisos a alguns dos presentes, segundo o correspondente do jornal britânico The Guardian. As condições não eram ideais, "mas havia ar condicionado, água corrente quente e fria". Afinal, "era formidável estar de volta aos Estados Unidos", após dois meses no campo de Arifjan, no Kuwait.

A sala em que Manning foi colocado media 1,80m por 2,40m e estava preparada para receber um detido que, segundo os militares norte-americanos no Kuwait, tinha tendências suicidas: havia apenas um colchão, sem almofada, e um cobertor que o soldado não conseguiria usar para se suicidar. Havia uma instalação sanitária, sempre à vista dos guardas, mas não havia papel higiénico – sempre que era necessário, Manning tinha de se levantar, aproximar-se das grades e gritar: "Segundo-cabo detido Manning pede papel higiénico!" Para poder caminhar 20 minutos por dia, colocavam-lhe correntes nas mãos e nos pés, pelo que nunca conseguia andar sem a ajuda de um guarda.

"Se pusesse a cabeça no chão, encostado à porta, conseguia ver, ao fundo do corredor, o reflexo da janela." Se durante o dia não havia claridade, durante a noite faltava a escuridão. Uma lâmpada fluorescente, à entrada da cela, obrigava-o a tapar os olhos com o cobertor ou a virar-se para o lado contrário. De acordo com o seu testemunho, os guardas acordavam-no várias vezes, para poderem ver-lhe a cara.

A atitude passiva de Manning foi interpretada como um sinal de que ainda apresentava tendências suicidas. Apesar da insistência do psiquiatra William Hoctor para que as condições de detenção fossem aligeiradas, o máximo que os responsáveis fizeram foi alterar o estatuto de "risco de suicídio" para "condição de prevenção de lesões".

Ouvido pelo tribunal no primeiro dia de audições preliminares, na quarta-feira, o capitão Hoctor declarou que muitos dos suspeitos de terrorismo detidos em Guantánamo eram mais bem tratados do que o soldado norte-americano. "Eu tinha 24 anos de experiência como oficial médico e nunca vira nada assim. Era evidente que eles já tinham decidido o que queriam fazer e as minhas recomendações não tinham qualquer impacto", afirmou.

Já na sexta-feira, em resposta aos advogados de acusação, Bradley Manning admitiu que disse ter tendências suicidas, à chegada a Quantico, mas afirmou que estava a ser sarcástico. “Eu sabia que iria receber o estatuto de risco de suicídio. Qualquer resposta que eu desse não iria fazer nenhuma diferença”, afirmou Manning.

Com o início do julgamento previsto para Fevereiro, a juíza Denise Lind aceitou analisar um pedido da defesa que inclui a admissão de responsabilidade pelas consequências de oito das 22 acusações contra Manning, mas a decisão final só será anunciada a 10 de Dezembro. Se a estratégia for aceite, Manning pode ver reduzido o número máximo de anos de prisão de 72 para 16.

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