“BP? Terroristas! Petrobras? Terroristas! Hollande? Terrorista!”

Quem participou na Marcha Global do Clima em Lisboa já o tinha decidido fazer antes dos ataques de Paris e de ter sido proibido o protesto na capital francesa. A ameaça das alterações climáticas é mais grave do que a do terrorismo, asseguram.

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A organização esperava mais gente na Marcha pelo Clima. Miguel Manso
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Miguel Manso
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Parte das poucas centenas de pessoas que marcharam neste domingo em Lisboa pelo clima caminhavam e dançavam perto do grupo activista Climaximo. Não levou mais do que quinze pessoas, mas era quem mais se fazia ouvir. Os seus tambores asseguravam-se disso. As palavras de ordem também. “British Petroleum? Terroristas! Petrobras? Terroristas! Hollande? Terrorista!”. O Presidente francês, o líder no mundo ocidental que mais atentados sofreu nos últimos meses, que desde os últimos e mais sangrentos, no dia 13, vem repetindo que está em guerra contra o grupo Estado Islâmico e que tenta formar uma incerta coligação mundial contra os jihadistas na Síria um terrorista?

“Vou dizer uma coisa que é muito forte”, diz Emeline Rétif ao jornal PÚBLICO. Está cautelosa, mas convicta. “Ele tomou a decisão de bombardear a Síria por vingança. Há muitos civis a morrerem. Se vem da Europa ou da França é óbvio que não lhe chamamos terrorismo. Chamamos-lhes ataques sistemáticos e estratégicos, ou algo do género. É claro que eu penso que as coisas não são as mesmas, mas acho que chamar terrorista a François Hollande também faz sentido. Num sentido político, não apenas ambiental.”

Emeline fala de uma coisa que lhe é próxima. É francesa e estuda ecologia em Lisboa. Conhece pessoas que morreram nos atentados deste mês em Paris. “Não directamente, mas amigos de amigos e pais de amigos”, explica. Compreende que o Governo francês tenha proibido a grande marcha pelo clima na capital, mas não entende que não tenha cancelado também as grandes feiras de Natal, por exemplo. Não marchou no seu país neste domingo. Não o fará também no dia 12 de Dezembro, o dia de encerramento da Cimeira do Clima da ONU, como antes planeara. Mas vai lá estar, em Paris, para protestar contra as alterações climáticas de uma outra maneira. Está com medo? “Um bocado. Especialmente porque conheço os sítios e consigo imaginar muito bem os ataques. Mas para mim, a emergência climática está acima de tudo o resto. Não podemos deixar que o medo nos impeça de fazer o que importa.”

Os organizadores da marcha de Paris pediram que o resto do mundo marchasse por eles neste domingo, já que o Governo francês os proibiu de o fazer depois dos atentados. Foram cancelados outros 200 eventos de iniciativa civil, de concertos a palestras e protestos. Mas nem por isso houve mais gente na Marcha Global do Clima. O PÚBLICO falou com mais de uma dezena de participantes e todos disseram que já tinham decidido ir a este evento de protesto contra a imobilidade dos líderes mundiais no combate às alterações climáticas antes dos ataques em Paris. A organizadora, Bárbara Gonçalves, diz que houve mais pessoas a inscreverem-se no evento nas redes sociais.

Contavam-se pouco mais de 2300 subscritores na Internet antes de a marcha começar. “Agora é saber se vêm mesmo ou se é só palavreado”, afirmou a organizadora ao PÚBLICO antes da caminhada pela Avenida Almirante Reis ter começado. Os participantes ficaram longe desse número e Bárbara admitiu alguma desilusão no final. A organização do evento, admite, foi difícil. Bárbara tem 19 anos e faz parte de uma equipa de três responsáveis e 120 voluntários, incluindo a organização Quercus. “Tenho contacto com toda a gente, mas nem todos me respondem. Faço reuniões mas nem toda a gente aparece”, reconheceu, antes da marcha.  

Os participantes são na sua maioria anti-sistema e anticapital. Há um consenso de que o Governo francês proibiu a marcha para silenciar os protestos de quem ficou de fora da cimeira do clima da ONU. É o que diz ao PÚBLICO André Silva, o deputado do Pessoas Animais e Natureza (PAN) – para além deste partido, Bloco de Esquerda e Partido Os Verdes participaram na marcha. “Parece-me um pretexto para que as pessoas não possam falar, não se possam manifestar”. É a opinião dominante. A ameaça terrorista, ouviu o PÚBLICO, não se compara à ameaça de um clima que está a morrer. Mas é a que fala mais alto.

Todos dizem que iriam à marcha de Paris se ela não tivesse sido proibida. Mesmo com algum medo. Leonor Nazaré, que entregava panfletos sobre o perigo oculto dos rastos químicos deixados por aviões, explica: “Tudo é perigoso. Era perigoso há dois meses atrás e será perigoso daqui a dois meses. É um totoloto absoluto. Nós nunca sabemos o que é que vai acontecer e as pessoas não podem funcionar com medo. Têm de continuar a fazer aquilo que querem continuar a fazer.”

De regresso a Emeline e à manifestação do dia 12. “Vou mesmo que tenha medo”, promete. Ela, afinal de contas, é uma das privilegiadas. Não faz parte do terceiro mundo: os emudecidos, apesar de serem os que mais sofrem com as mudanças do clima. O Bangladesh, lembra, está a afundar-se com a subida no nível das águas. No dia seguinte ao seu protesto cumprir-se-á um mês desde que três equipas de fundamentalistas islâmicos mataram 130 pessoas na capital francesa. “Não consigo pensar sequer em cancelar. É demasiado importante.”

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