Bombardeamento contra campo de deslocados no Norte da Síria foi deliberado

Apesar da trégua temporária negociada em Alepo, Bashar al-Assad insiste que só vai parar depois da “vitória final” e agradece o apoio das forças militares russas.

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"São mulheres e crianças. Aqui não há soldados"

Damasco e Moscovo desmentem ter estado por trás dos bombardeamentos que mataram pelo menos 30 pessoas, feriram 80, incluindo muitas mulheres e crianças, e deixaram em chamas um campo de refugiados perto da fronteira com a Turquia. Segundo a ONU e os Estados Unidos, as “indicações preliminares” apontam para o regime sírio.

“Tendo em conta que este campo estava aqui há várias semanas e pode ser visto claramente do ar, é extremamente improvável que estes ataques assassinos tenham sido acidentais. É muito mais provável que tenham sido deliberados e constituam um crime de guerra”, afirma o responsável da ONU para os Direitos Humanos. Zeid Ra’ad al-Hussein diz que “é difícil encontrar palavras para descrever o horror que os civis enfrentam na Síria”: “Bombardeados e massacrados nas suas casas, mortos a tiro na rua e torturados nas prisões; bombardeados nas camas de hospitais; bombardeados nos campos para onde fogem”.

Dezenas de campos junto à fronteira abrigam civis em fuga de Alepo, a maior cidade da Síria, que Bashar al-Assad tenta tomar à oposição desde Janeiro. No campo atacado na quinta-feira à noite, a 30 quilómetros de Alepo, também estavam famílias que tinham fugido de Palmira, a cidade património mundial que as forças do regime apoiadas pela Rússia reconquistaram no final de Março aos jihadistas do autodenominado Estado Islâmico.

O porta-voz russo, Igor Konashenkov, garante que nenhum avião sobrevoou a zona atingida nos últimos dias. “O campo pode ter sido atingido de propósito ou por engano por múltiplos lança-rockets que estão a ser muito usados na área por terroristas da Al-Nusra”, sugere Konashenkov, referindo-se ao grupo ligado à Al-Qaeda que controla Idlib.

Dizendo-se “horrorizado e doente com as notícias de civis mortos por ataques aéreos contra pessoas deslocadas em busca de segurança”, o chefe da ONU para as questões humanitárias, Stephen O’Brien, pediu esta sexta-feira uma investigação “imediata, imparcial e independente” aos bombardeamentos.

“Estas pessoas estão na situação mais desesperada que se pode imaginar, não há qualquer justificação para uma acção militar aqui”, afirmou o porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest. “O desprezo do regime de Assad pelos esforços para restaurar a cessação de hostilidades está à vista de todos”, acusou em Londres o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Philip Hammond, enquanto em Nova Iorque, os britânicos criticaram os russos por não usarem a sua “influência junto do regime de Assad para o levarem a respeitar a cessação de hostilidades”.

Os Estados Unidos e a Rússia negociaram uma trégua que entrou em vigor a 27 de Fevereiro, mas o acordo está há muito moribundo e Assad já deixou claro que não vai parar até tomar Alepo, a única cidade importante ainda parcialmente controlada por rebeldes sem ligações a grupos jihadistas e dispostos a negociar uma transição política. Sem Alepo, a oposição não tem nada a negociar e a única alternativa para os rebeldes no terreno será lutar ao lado dos extremistas.

Golpe de propaganda

Na quinta-feira entrou em vigor uma nova trégua de 48 horas na cidade, mas os combates e os bombardeamentos continuam noutros locais e Damasco não permite que a ONU leve ajuda até aos civis nos bairros de Alepo controlados pela oposição, onde 400 mil pessoas estão praticamente sitiadas. No mesmo dia, Moscovo recusou votar uma resolução do Conselho de Segurança a condenar o aumento da violência e os ataques contra civis em Alepo.

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Orquestra Sinfónica do Teatro de Mariinski a tocar no anfiteatro romano de Palmira Olga Balashova/Ministério da Defesa da Rússia/Reuters

O embaixador russo na ONU, Vitali Churkin, chamou ao texto um “golpe de propaganda”, poucas horas antes de um golpe de propaganda promovido pelos próprios russos na Síria, sublinhando o seu papel determinante no conflito. O maestro Valeri Guerguiev, amigo de Vladimir Putin, dirigiu a Orquestra Sinfónica do histórico Teatro de Mariinski, de São Petersburgo, no anfiteatro romano de Palmira, um concerto com direito a intervenção via vídeo do Presidente russo. Entre a assistência estavam dezenas de jornalistas que viajaram de Moscovo a convite do Governo.

Repetindo a retórica habitual de Assad, Putin disse à multidão que o mundo deve unir-se aos sírios “na batalha contra o terrorismo” e disse esperar que Palmira “renasça como herança cultural para toda a humanidade”. O concerto foi anunciado como “uma homenagem às vítimas dos jihadistas”. Na ONU, o regime insistia que a ofensiva em Alepo tem como único objectivo “cumprir as obrigações do Governo de proteger os seus cidadãos do terrorismo”. E num telegrama enviado a Putin, Assad agradeceu o apoio militar russo e repetiu que não aceitará menos do que “a vitória final”.

 

 

 

 

 

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