Oposição venezuelana desafia Maduro para um diálogo com regras e um mediador

Bispos criticam o uso da força contra os manifestante e Papa apela ao perdão reciproco e ao "diálogo sincero".

Foto
Na terça-feira, os estudantes foram para a embaixada de Cuba Jorge Silva/Reuters

Falhou, como se adivinhava, a tentativa de diálogo entre Nicolás Maduro e a oposição que, nas ruas, exige a demissão do Governo da Venezuela. Num comunicado, a Mesa de Unidade Nacional, que agrega as forças políticas contra o regime socialista bolivariano, chamou à iniciativa do Presidente um "simulacro de diálogo".

Numa carta enviada ao Governo, o secretário Geral da Mesa, Ramón Guillermo Aveledo, diz: "Não participamos num simulacro de diálogo que é um embuste para os nossos compatriotas". A coligação dos partidos da oposição explica que não há condições para que as partes em confronto dialoguem.

“A situação do país é grave. Hoje, a convivência está seriamente alterada devido aos factos conhecidos e sobre os quais vocês e nós temos leituras diferentes. O quadro económico e social é mais exigente que esta crise aguda de protestos e repressão desmedida com a participação de civis armados convocados pelas autoridades”, diz o texto, citado pelo jornal venezuelano El Universal.

Nicolás Maduro convocara para a conferência de paz representantes de muitos sectores: a oposição, a Igreja Católica, empresários, governadores e outros representantes da sociedade. Não se sabe, por enquanto, se na ausência da oposição (incluindo dos governadores dos partidos que combatem o chavismo, o encontro desta quarta-feira se realizará no palácio presidencial de Miraflores. 

A Mesa, porém, não rejeita liminarmente o diálogo. Diz que está disponível para conversar, mas mediante condições e uma delas é existir um mediador, nacional ou internacional. “Chegou a hora de enfentar a dura realidade e de falarmos sinceramente. (...)  De dialogar com regras previamente estabelecidas, com uma agenda de temas relevantes de interesse nacional, e com a participação de uma terceira [parte], nacional ou internacional, que, de boa fé, facilite e se necessário seja mediadora para que o diálogo dê frutos. Esta é a nossa vontade e a nossa proposta. Agora tem a palavra o Governo nacional".

As palavras do líder de um dos principais partidos da oposição, Henrique Capriles (do Primeiro Justiça), foram no mesmo sentido. "O Governo fala de diálogo, fala de paz, mas este não pode ser um apelo vazio, sem conteúdo. Como queres fazer a paz, como queres resolver uma situação de conflito? Tens que ter vontade de o fazer. O que está em causa não é uma simples reunião no palácio de Miraflores, com fotografias e um discurso", disse Capriles.

O líder do Primeiro Justiça denunciou o que considera serem as manobras mediáticas do Presidente para iludir a contestação nas ruas. "[Maduro] converteu Miraflores num salão de festas, estão lá sempre as televisões e as rádios [oficias], todas as tardes há festas; ontem houve uma festa, hoje há uma conferência de paz", disse Capriles, acusando o Presidente de continuar a "substimar" os protestos.
 
A contestação não pára nas ruas das cidades, mostrando que os venezuelanos continuam divididos, praticamente ao meio, entre os que apoiam o chavismo e os que estão cansados dele. Há um ano já era assim e o resultado das presidenciais de Abril de 2013 mostram-no: 7.587.579 votos para Maduro (que Hugo Chávez declarou seu herdeiro político antes de morrer, em Março), 7.363.980 para Capriles.

Se a Mesa de Unidade Nacional avançou com uma série de condições para poder haver um diálogo com o Governo, Capriles juntou-lhe mais algumas: a libertação de todos os presos desde o início da contestação, em Janeiro, estudantes, cidadãos e líderes partidários, entre eles o dirigente da Vontade Popular, Leopoldo Lópes. Este emergiu desta contestação - à pobreza em que a Venezuela está mergulhada e ao nível de criminalidade no país - como o primeiro líder da oposição, relegando Capriles para segundo plano com uma agenda mais radical, exigindo a queda do Governo e o fim do regime socialismo chavista.

Desde o dia 12 de Fevereiro, quando as manifestações se tornaram constantes e o Governo respondeu com repressão - através das milícias populares armadas de defesa da revolução, os chamados colectivos, e da polícia política - já morreram 15 pessoas, 150 ficaram feridas com gravidade ou alguma gravidade e centenas de pessoas foram presas. 

Na terça-feira, a Igreja Católica reagiu à violência contra os manifestantes. Um comunicado da Conferência Episcopal critica a resposta do Governo aos protestos e condena o uso excessivo da força. Os bispos, que reuniram em Caracas, denunciam também a acção dos grupos armados civis e pedem que os responsáveis pela violência sejam levados à Justiça. 

"Comprovamos que a cidadania está vulnerável perante os grupos armados não policiais e não militares que investem contra a população", diz o documento dos prelados. Os bispos referem ainda que a população tem direito a manifestar-se, conforme está inscrito na Constituição da Venezuela.

Já esta quarta-feira, Francisco, o primeiro Papa da América Latina (é argentino) que raras vezes se refere à parte do mundo onde nasceu, pediu aos venezuelanos para estarem receptivos a um "perdão reciproco e a um diálogo sincero". A Igreja Católica está fortemente implantada neste país socialista e o fundador do regime bolivariano, Hugo Chávez, era profundamente religioso. Na Praça de São Pedro, em Roma, o Papa pediu o fim da violência a todos os venezuelanos, "a começar pelos responsáveis políticos e institucionais" e o início da mobilização "pela reconciliação nacional".

Para quinta-feira está marcada uma reunião da Organização dos Estados Americanos, de que a Venezuela faz parte, para decidirem se deve ou não haver uma sessão especial dedicada à situação neste país. Trata-se de uma iniciativa do Panamá, com quem a Venezuela teve, recentemente, uma zanga: a embaixadora venezuelana no Panamá foi chamada a Caracas no dia 20 para "consultas" depois de o Governo de Nicolás Maduro ter acusado os governantes panamianos de "ingerência" ao terem mostrado preocupação pela situação.

Sugerir correcção
Comentar