Beppe Grillo dá o exemplo: “vale tudo” na campanha das eleições europeias

Obstrução e acção directa no Parlamento, insultos ao Presidente, provocações sexistas, linguagem desbragada. É só o princípio. Berlusconi assiste. Nesta fase, Grillo e Renzi são os inimigos directos.

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Grillo quer elevar ao máximo a tensão política para galvanizar os seus eleitores Yara Nardi/Reuters

A aproximação das eleições europeias de Maio radicalizou o combate político italiano. Não em termos ideológicos mas através de uma escalada de grosseria e de violência simbólica. Os jornais usam expressões como “pornopopulismo”, “linguagem da incivilidade”, “novas trevas”, “marcha para a barbárie”, “os grillini querem o caos”. O protagonista desta nova fase é, naturalmente, Beppe Grillo. Tendo perdido a iniciativa política após o acordo entre Matteo Renzi (Partido Democrático, PD) e Silvio Berlusconi (Força Itália, FI), procura reocupar o centro do tabuleiro político.

No dia 29 de Janeiro, os deputados do Movimento 5 Estrelas (M5S), de Grillo, lançaram uma operação de obstrucionismo no debate de uma lei económica mas visando adiar o início da discussão da nova lei eleitoral proposta por Renzi e agendada para 29. A presidente da Câmara dos Deputados, Laura Boldrini, acabou por “guilhotinar” a obstrução.

Os grillini tentaram ocupar o hemiciclo, fizeram barragens para impedir deputados de falar, houve insultos e algumas agressões, os funcionários fizeram correr as portas de vidro blindadas para impedir a invasão do gabinete de Boldrini, cuja segurança foi reforçada. Na manhã seguinte, repetiram a operação.

Um deputado grillino tratou o Presidente Napolitano de “carrasco” e Grillo pediu a impugnação do PR. 

Sexismo grosseiro


Grillo não ficou por aqui. Pôs um


post

no seu blogue: “Que sucederia se te encontrasses com a Boldrini dentro de um automóvel?” Boldrini reagiu: “Quem participa no blogue não quer o debate mas ofender e humilhar. São potenciais violadores.” Claudio Messora, chefe de comunicação do M5S, respondeu num

tweet

: “Cara Laura, quero tranquilizar-te... Mesmo que nós, os do blogue de Grillo, fôssemos todos potenciais violadores... tu não correrias nenhum risco!”

O escritor Corrado Augias fez, no La Repubblica, um comentário em que comparou estes e outros comportamentos com os primórdios do fascismo. “Beppe Grillo queria divertir os rapazes lançando no seu blogue uma provocação, entre a estupidez e a infâmia. Acção calculada a frio, porque sabia que teria sucesso. E teve sucesso.”

Outro grillino, Francesco Neri, logo queimou em público o último livro de Augias. Comentou o Corriere della Sera: “Quando se queimam os livros, acaba-se a queimar as pessoas. Esta máxima de Heinrich Heine, poeta alemão do século XIX, já teve demasiadas confirmações na História para ser ignorada.” Houve apelos a isso no recente movimento dos “Forconi”.

Esta deriva incomodou alguns sectores do M5S e, sobretudo, chocou personalidades de esquerda que defenderam há meses uma aliança com Grillo. O historiador Ernesto Galli Della Loggia chamou a atenção para o facto de que “a degradação dos comportamentos, dos modos e da linguagem” não serem uma excepção mas um preocupante sintoma do “declínio italiano”.

O factor Renzi

Que pretende Grillo? Quer elevar ao máximo a tensão política para galvanizar os seus eleitores na perspectiva das eleições europeias, dizem analistas. O terreno em que Grillo aposta não se resume aos apelos anti-europeus ou anti-imigração. Continua a privilegiar a inacção da “casta política”. O melhor aliado de Grillo é o imobilismo do sistema.

Em Dezembro, após a eleição do novo líder do PD, o analista Stefano Folli profetizou: “Os próximos meses não serão de confronto entre Renzi e [o primeiro-ministro] Letta, mas de um duro confronto entre o PD de Renzi e o mundo de Grillo. (...) Até às europeias valerão todos os golpes.”

Renzi pode estar completamente iludido quando diz que pode fazer aceleradamente reformas de fundo na Itália. Mas promoveu, para surpresa geral, o lançamento de uma reforma eleitoral que estava há meses bloqueada. Em lugar de se confrontar com Berlusconi e com o frágil Governo Letta, Grillo tem de responder ao desafio de Renzi, cuja energia seduz uma parte dos seus próprios eleitores. São, nesta fase, os inimigos directos.

“Os assaltos e insultos de Grillo deverão intensificar-se com a aproximação das eleições europeias de 25 de Maio”, adverte o jornalista Luca Landò no L’Unità. “O problema é que o populismo e o imobilismo arriscam a transformar-se numa mistura explosiva.”

Os jornalistas e políticos italianos gostam das retóricas da dramatização. Ao contrário, Napolitano aprecia a moderação. Mas fez ontem um aviso no Parlamento Europeu: é preciso romper o círculo vicioso da austeridade e da estagnação. Nas próximas eleições, “estão em causa os valores da União Europeia. Será o momento da verdade, porque são evidentes as razões de desencanto dos cidadãos”.

Os dois maiores testes travar-se-ão na Itália e na França.      
 

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