Bebés que nasçam a partir de hoje na Alemanha podem ser registados com “sexo indefinido”

País é pioneiro na Europa a deixar inscrever terceira opção no BI. Objectivo é retirar aos pais e médicos a pressão de decidirem entre "menino" e "menina" nos primeiros dias de vida, quando o exame visual dos genitais externos e os próprios cromossomas e genes não são esclarecedores.

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As actuais regras previam só dez dias úteis Reuters

Determinar o sexo do bebé à nascença pode não ser uma questão assim tão simples e que mesmo com a ajuda da genética pode deixar dúvidas. A Alemanha decidiu, por isso, dar um passo pioneiro e torna-se a partir desta sexta-feira o primeiro país europeu onde será possível inscrever no BI de uma criança uma terceira opção: “sexo indefinido”.

O objectivo da nova lei é retirar aos pais a pressão de terem de decidir nos primeiros dias de vida entre “menino” ou “menina”, quando o exame visual dos genitais externos (pénis, vulva e vagina) não é esclarecedor e os próprios cromossomas e genes podem levar a opções precipitadas que condicionam a vida da criança.

Os médicos deixam também de ter de fazer operações demasiado prematuras nos casos em que, por exemplo, as crianças nascem com os dois genitais e em que se escolhe remover um sem se perceber ainda em que sentido se vai desenvolver o bebé – o que gera mais tarde grandes problemas de identificação.

Por agora fica por esclarecer o impacto que a nova lei terá nos futuros casamentos e uniões de facto, visto que não estão ainda definidos prazos para decisões sobre eventuais passagens para os tradicionais sexos “feminino” e “masculino”.

O anúncio da nova legislação foi feito em Agosto. Na altura, a Alemanha explicou que tendo especificamente em conta a visível ambiguidade genital com que nascem algumas pessoas o país passaria a permitir a partir do dia 1 de Novembro que o registo civil de uma criança inclua uma terceira opção, a de sexo indefinido, com o sexo civil a ficar assim em branco, o que exige, segundo a ministra da Justiça alemã, Sabine Leutheusser-Schnarrenberger, uma reforma na emissão dos documentos de identificação alemães, em que além da opção M e F passará a haver a opção X.

Na altura do anúncio, num trabalho que o PÚBLICO fez sobre o tema com vários especialistas, Jorge Sequeiros, director do Centro de Genética Preditiva e Preventiva do Instituto de Biologia Molecular e Celular da Universidade da Porto, aplaudiu a iniciativa devido à complexidade que o sexo de uma pessoa pode ter. “É uma excelente ideia a adoptar em Portugal. Falo nisso aos meus alunos há muito tempo. As situações de ambiguidade genital externa são raras, mas têm uma frequência que não é tão baixa como se julga. Muitas vezes são escondidas”, referiu o geneticista.

A ideia da Alemanha é que mais tarde, depois de uma série de estudos cromossómicos, genéticos, hormonais e anatómicos, entre outros, essa pessoa em situação de intersexo possa ver-lhe atribuído um sexo civil definido. A Alemanha tornar-se-á o primeiro país da Europa — onde se estima que uma em cada 5000 crianças nasça com sexo indefinido — a dar esta opção aos seus cidadãos, que já existe na Austrália e na Nova Zelândia, onde o terceiro tipo sexual pode ser indicado em documentos como o passaporte.

Estes países reconhecem que nem tudo se esgota num sistema de dois sexos, que, além do sexo masculino e feminino, há pessoas intersexuais, com características masculinas e femininas, como os hermafroditas e os pseudo-hermafroditas (num hermafrodita há simultaneamente tecido ovárico e testicular, enquanto um pseudo-hermafrodita só tem ou testículos ou ovários e os genitais externos são do outro sexo).

As discrepâncias entre os diferentes níveis de sexo têm sido particularmente publicitadas no mundo do atletismo. Foi aí que começaram as verificações de sexo, obrigatórias no início dos anos 1960, pela Federação Internacional de Atletismo e pelo Comité Olímpico Internacional, para evitar que homens se disfarçassem de mulheres nas provas femininas de atletismo, uma vez que, em princípio, teriam mais vantagens competitivas. Porém, a realidade revelou-se tudo menos a preto e branco, e os organismos internacionais de desporto acabaram por pôr fim, na década de 1990, às averiguações do sexo obrigatórias, abandonando a ideia de que há uma fronteira bem definida entre um homem e uma mulher.
 
 

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