Barcelona suspende concessão de licenças para estudar oferta turística

Nova autarca, Ada Colau, assinou uma moratória de um ano, para estudar e regular a pressão turística na cidade. Com mais de sete milhões de visitantes estrangeiros por ano, população começa a revoltar-se contra os turistas.

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Residentes de Barcelona queixam-se da pressão representada pelo aumento do turismo Enric Vives-Rubio

Uma suspensão temporária da concessão de licenças para a construção de hotéis e outras actividades turísticas, assinada pela nova autarca de Barcelona, Ada Colau, vai congelar pelo menos 45 novos projectos, já entregues, ou em vias de o ser, para apreciação pela municipalidade. No entanto, a medida não vai paralisar os empreendimentos em marcha nem evitará o crescimento da oferta na capital da Catalunha, que só nos próximos meses terá em funcionamento 40 novos hotéis.

A autarca alega que Barcelona, a terceira cidade mais visitada da Europa (atrás de Londres e Paris), tem de discutir e regular a pressão que o turismo está a provocar em certos pontos da cidade, que, com 7,5 milhões de visitantes internacionais por ano, começa a experimentar um estado de “fadiga” e até mesmo “irritação” com as inevitáveis consequências da procura: as queixas mais frequentes dos habitantes dizem respeito à subida de preços, ao lixo e barulho produzido pelos estrangeiros, e ao seu “mau comportamento”.

Barcelona, com uma população de 1,6 milhões de habitantes, tem na actividade turística uma importante fonte de receitas e de emprego – o sector responde por uma fatia de 14% do Produto Interno Bruto, e é responsável por 120 mil postos de trabalho. “O turismo é um activo da cidade que precisamos de cuidar, mas de forma sustentável. [Tal como está], está a criar demasiadas tensões”, declarou Ada Colau, para justificar a nova medida. Em muitas zonas da cidade, do bairro Gótico às Ramblas, já começaram a aparecer faixas com slogans que demonstram inequivocamente o descontentamento dos moradores com a invasão estrangeira: “Tourists go home”, dizem.

Colau, que tomou posse no passado dia 13 de Junho, encontrou 20 novos pedidos de licenciamento para a construção de hotéis em cima da mesa. A cidade tem, actualmente, 377 estabelecimentos hoteleiros, com um total de 34.769 quartos e 68 mil camas, ou seja, uma média de 21,5 quartos de hotel por cada mil habitantes, que está bem acima da média de 15 quartos por mil residentes dos oito principais destinos europeus. E esse valor exclui a oferta adicional de pensões, hostéis e apartamentos turísticos – que aliás já tinham sido alvo de uma moratória firmada pelo anterior alcaide, Xavier Trias.

Em defesa da sua decisão, que foi duramente atacada pela oposição do Partido Popular como “um disparate, irresponsável e terrível”, Ada Colau explicou que a moratória dos licenciamentos turísticos é uma medida “preventiva, cautelar e provisória”, válida por um ano. “O objectivo não é suspender mas ter tempo para elaborar um novo plano de forma participativa, para decidir colectivamente em que bairros é possível [a oferta turística] crescer e em que lugares esse esforço tem de ser redistribuído”, acrescentou.

Para a autarca, Barcelona deve evitar a todo o custo que a explosão turística (um fenómeno que começou a sentir-se após os Jogos Olímpicos de 1992) resulte numa perda de identidade da cidade, ou da transformação de “umas zonas em guetos e outras em parques temáticos” – uma situação que, considera, prejudica seriamente os moradores dos locais em causa mas também é nociva em termos de atracção de turistas.

Esse é um argumento repetido por especialistas e moradores. Ouvido pela AFP, o professor de Geografia da Universidade de Barcelona, Francesc Lopez Palomeque, que fez parte da equipa que desenhou o plano de turismo da cidade para os anos de 2008-13, disse que os últimos 25 anos de crescimento acelerado do turismo contribuíram para um sentimento de “fobia” entre a população. “O processo foi demasiado rápido e não foi bem absorvido pela cidade”, entende. Já para o geógrafo da Universidade Autónoma de Barcelona, Francesc Munoz, o dilema de Barcelona é que “se nada for feito, dentro de 30 ou 40 anos poderá ser como Veneza, uma cidade completamente especializada no turismo”.

Nas famosas Ramblas, a florista Carolina Palles, que herdou o estabelecimento fundado pela bisavó em 1888, lamenta que os habitantes de Barcelona já não procurem aquela avenida, outrora um dos principais pontos de encontros da cidade. “Agora só há restaurantes de fast-food e lojas de souvenirs. Perdemos a nossa essência”, considerou.

No mercado histórico La Boqueria, a AFP encontrou outras queixas contra os turistas. Xavier Alonso, que tem uma banca de peixe, diz que apesar de o local ser frequentado por cada vez mais gente, as suas vendas caíram para metade nos últimos cinco anos. A razão são os turistas: “Os clientes tradicionais deixaram de cá vir, porque não têm paciência para as multidões de turistas, que ocupam o espaço todo e os impedem de mover os carrinhos de compras”, refere.

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