O Presidente da "audácia da esperança” reduziu a ambição

Republicanos reunidos em retiro para estudar maneira de inviabilizar as ordens executivas do Presidente dos EUA.

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Obama foi a um centro de distribuição promover as suas iniciativas REUTERS/Yuri Gripas

Foram sete os “problemas” que o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, prometeu atacar unilateralmente e resolver sozinho através da assinatura de ordens executivas, ultrapassando a discussão e o impasse político no Congresso que tem paralisado a produção legislativa norte-americana desde que a oposição republicana assumiu o controlo da Câmara de Representantes, em 2010.

Segundo explicou, durante o seu discurso sobre o estado da União, na terça-feira à noite, Obama pretende usar a sua autoridade executiva para ultrapassar o bloqueio republicano e intervir na área da economia, emprego, educação, energia e alterações climáticas. A oposição partiu ontem para um retiro no estado do Maryland para deliberar sobre a sua resposta, mas avisou logo que a estratégia unilateral seria “contraprodutiva”: os republicanos tencionam usar todos os procedimentos legislativos possíveis para inviabilizar os projectos da Casa Branca.

Obama disse que pretendia assinar ordens para aumentar o valor do salário mínimo pago a funcionários de empresas com contratos federais para 10,10 dólares por hora; criar um novo tipo de contas poupança reforma; acabar com a discriminação que impede a contratação de desempregados de longa duração; rever os critérios de eficiência energética obrigatórios para veículos pesados; reformular os programas federais de formação profissional; constituir quatro novos centros de indústrias tecnológicas e estabelecer um tecto para as emissões de carbono das centrais de produção eléctrica do país.

A lista já dá uma ideia dos poderes limitados e da margem de manobra reduzida do Presidente para avançar com as suas políticas, promover reformas profundas ou lançar grandes projectos sem o apoio legislativo do Congresso. Mark McKinnon, um dos mais conhecidos consultores republicanos, notava que “com três anos de presidência pela frente [Obama] reduziu as suas grandes ambições à assinatura de ordens executivas” (o mesmo vaticínio veio do The New York Times, que escreveu que “o discurso do Presidente sobre o estado da União foi um estudo na arte de reduzir as expectativas”).

Como McKinnon, outros comentadores achavam que para quem foi eleito por causa da “audácia da esperança” ou da “mudança em que se pode acreditar”, até a acção executiva prometida por Obama soava a pouco. O alcance de algumas das medidas propostas na terça-feira é limitado e muitas delas são largamente simbólicas. A intenção da Casa Branca é “dar um exemplo” a seguir pelos estados e o sector privado, ou então lançar as bases de novos programas com a esperança de que possam amadurecer e ser alargados no futuro – há muitos casos da “apropriação” de ordens executivas para a produção de novas leis no Congresso.

Josh Marshal, o director do liberal Talking Points Memo, leu no discurso de Obama o início de uma nova “fase retórica” e pós-legislativa da sua presidência, que consiste em “usar o púlpito para definir o rumo para o país, recorrer à autoridade executiva para o encaminhar e deixar um Congresso que se recusa a funcionar entregue a si mesmo” – provavelmente na expectativa de que o eleitorado decida penalizar os seus membros que vão a votos no próximo mês de Novembro.

No Washington Post, Greg Sargent especulava que esta estratégia executiva do Presidente tem mais a ver com a percepção do seu desempenho pela opinião pública (a taxa de aprovação de Obama está nos 42,4%, segundo a média do Pollster.com) do que com o avanço da sua agenda legislativa. “Trata-se de um esforço ambicioso para restabelecer os termos da ligação de Obama com o eleitorado. Os seus conselheiros concluíram que o Presidente estava refém do impasse no Congresso resultante do obstrucionismo dos republicanos. O recurso à autoridade executiva vai mudar o prisma através do qual o povo avalia a performance do Presidente e o seu compromisso com ele, reforçando a ideia de que ele tem um plano para o progresso do país e está preparado para o pôr em prática.”

Apesar das declarações dos republicanos, ou das críticas dos comentadores, a mudança de táctica da Casa Branca não parece ser politicamente arriscada: uma sondagem do Washington Post/ABC News revelava que 52% dos eleitores concordam que o Presidente “use o seu poder para tornear o Congresso e legisle pela via executiva para alcançar os objectivos da sua Administração”. Assim, a maioria dos americanos não partilha a opinião do senador republicano Rand Paul que considera que a Administração pretende praticar “uma nova forma de tirania”.

No fim da noite, Obama frustrou aqueles que tinham previsto uma guinada da Casa Branca para um populismo agressivo e confronto aberto com os adversários republicanos – o discurso presidencial até teve uma nota inicial de reconhecimento do mérito do speaker John Boehner. O Presidente não se coibiu de censurar a postura da bancada da oposição, mas num calculismo deliberado cedeu ao Congresso a iniciativa de legislar em temas como a reforma do código fiscal, a revisão da política de imigração ou a assinatura de acordos comerciais.

“Mandem-me essas leis”, pediu. Para Kevin Drum, um blogger de política americana que escreve na Mother Jones, esse apelo não constitui exactamente um ultimato político que coloca os republicanos contra a parede. Com a sua renovada promessa de bloquear todas as propostas vindas da Casa Branca, os republicanos assumem o risco de voltar a ser vistos pelos eleitores como o “partido do não”.

Em vez de aparecer prostrado depois de um ano em que quase tudo lhe correu mal, o tom geral do Presidente norte-americano foi de optimismo e dinamismo: Obama falou repetidamente em oportunidade e acção, foi específico, enérgico e confiante – na descrição de Ron Elving, o veterano analista político da rádio pública NPR, “o Presidente parecia retirar inspiração das desinspiradoras circunstâncias do presente”.

A Casa Branca acaba de reforçar a equipa do gabinete legislativo e de contratar uma série de pesos-pesados da política americana – nomeadamente John Podesta, o antigo chefe de gabinete de Bill Clinton –, num sinal claro de que Obama pretende vencer a inércia do Congresso, retomar a iniciativa política e afastar a ideia de um fim de mandato cerimonial (o que a gíria americana descreve como “lame-duck”).

Mas como refreava David Graham, editor de política da revista The Atlantic, tendo em conta a conjuntura política, o efeito do apelo de Obama à “acção” deverá passar depressa. “A maior parte das políticas apresentadas foram as mesmas que o Presidente mencionou um ano antes. Com as eleições intercalares no horizonte, qual é a probabilidade de conseguir mais progressos em 2014 do que em 2013?”, questionava.
 
 
 

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