Banqueiro espanhol não tem dinheiro para cobrir fiança imposta pela justiça

Ex-presidente da Caja Madrid, Miguel Blesa, e ex-presidente do Bankia e antigo patrão do FMI, Rodrigo Rato, foram responsabilizados por esquema de gastos pessoais indevidos.

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"Queremos o nosso dinheiro de volta", pede uma manifestante diante do tribunal Sergio Perez/Reuters

Os gestores da banca inquiridos no processo sobre o uso de cartões de crédito “fantasmas”, uma das várias investigações iniciadas depois da intervenção do Estado no Bankia, não perceberam mas algo está a mudar em Espanha. “A atitude dos arguidos parece indicar que não estão conscientes do enorme mal-estar que existe na rua e entre a classe política face à maior bomba social da crise financeira, escreve o El País.

O juiz Fernando Andreu, da Audiência Nacional, considerou que há “indícios suficientes e racionais” de que Miguel Blesa, ex-presidente do conselho de Administração da Caja Madrid, e Rodrigo Rato, que dirigiu o Bankia (entidade que resultou da fusão de várias cajas) entre 2010 e 2012, “consentiram, propiciaram e aceitaram” o uso indevido de fundos através da atribuição – a si e a outros – de cartões de crédito que geravam um gasto contabilizado “de forma encoberta para evitar o controlo dos auditores e dos órgãos supervisores”.

Ao todo, 83 membros dos dois bancos (membros de vários partidos) tiveram cartões, gastando 15,5 milhões de euros no período sob investigação (2003/2012). Viagens, principalmente no Verão e no Natal, roupa ou jóias são as compras mais comuns na lista de gastos.

O esquema foi iniciado por administrações anteriores, mas estes dirigentes mantiveram-no, promoveram-no e beneficiaram pessoalmente dele. Por disso, o juiz impôs uma fiança de responsabilidade civil de 16 milhões de euros para Blesa (que gastou 436.700 euros) e de três milhões para Rato (o ex-ministro da Economia e das Finanças de José María Aznar, e director do Fundo Monetário Europeu entre 2004 e 2007, gastou 36 mil euros, que entretanto devolveu).

Blesa, amigo de Aznar desde os bancos de escola, não tem forma de reunir os 16 milhões da fiança – o prazo para que esta seja depositada termina na quarta-feira, dia 22. O banqueiro, investigado em diferentes processos, conseguiu pagar 2,5 milhões para sair da prisão em Maio do ano passado, acusado então de falsificação de documento público e apropriação indevida de fundos (na altura, tornou-se no segundo banqueiro espanhol colocado atrás das grades, e no primeiro desta crise). Agora, dizem próximos de Blesa aos jornais espanhóis, não tem mesmo como depositar os 16 milhões, caso em que verá congelados bens no mesmo valor.

2% do salário
Ouvidos ao longo de várias horas pelo juiz Andreu, na quinta-feira, os arguidos lembraram todo o dinheiro que perderam na crise e garantiram não saber que deveriam ter declarado aquelas verbas, ao mesmo tempo que imputaram a gestores anteriores a criação do esquema.

Blesa e o director-geral da Caja, Ildefonso Sanchéz Barcoj, descreveram estes cartões como complementos “flexíveis” e de “disposição livre” que se somavam ao seu salário; Rato defendeu que sempre considerou tratar-se de uma parte do seu salário anual (este cartão seria para “gastos pessoais”, enquanto outro de que dispunha de destinava a despesas de representação).

Blesa, que responsabilizou funcionários seus e o Banco de Espanha, chegou a dizer que nem sabia se o cartão tinha sido ou não carregado com quase 437 mil euros porque isso correspondia a “2%” do seu salário anual e que não percebia por que é que tinha de o devolver. Nada que o tenha ajudado perante o juiz Andreu.

O valor das fianças indica que o juiz está a pensar cobrir o dinheiro que saiu indevidamente da Caja, acrescentando 25% que a lei prevê em multas. 16 e 3 milhões é mais do que pedia a Procuradoria Anticorrupção e o Fundo de Reestruturação Bancário.

Resgate bilionário
A Caja Madrid (pública, propriedade da Comunidade de Madrid) é só uma das várias caixas de aforro que levaram o Governo a pedir um empréstimo a Bruxelas para recapitalizar a banca (gerido pelo Fundo de Reestruturação), mas era a segunda maior caja de Espanha, com 190 milhões de activos. O Bankia, criado em 2010, cresceu a ponto de se tornar no quarto maior banco de Espanha e tornou-se no maior escândalo, quando o Estado o resgatou, em Maio de 2012, numa operação que custou aos contribuintes 22.400 milhões de euros.

Ao punir mais os responsáveis do que os executantes – Sanchéz Barcoj geria o esquema dos cartões às ordens de Blesa e não foi alvo de qualquer fiança –, a Audiência Nacional quis “delimitar responsabilidades”, lê-se no editorial do El País. Isso, continua, “é um critério e uma obrigação jurídica, mas também a melhor forma de se compreender como é que se gerou um sistema corrupto que durou anos, ajudado pela inacção dos reguladores”.

Nas ruas, diante da Audiência Nacional, houve manifestantes de todas as idades a aplaudir a decisão do juiz Andreu. O 15-M, movimento saído dos protestos e concentrações populares de 2011, afirma que “o medo mudou de lado” e acredita que os banqueiros responsáveis pela crise “vão cair um a um”.

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