Baixinho à altura da França

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Nicolas Paul Stéphane Sarközy de Nagy-Bocsa é um político francês de origem húngara que nasceu em 1955 e só mede 1,66 m, o que o deixa complexado, porque até o fotografaram em público com botinhas ortopédicas que o beneficiam (desde que ninguém tire fotografias às botas, mas c’est la vie…). Usou o nome curto de Nicolas Sarkozy para chegar a Presidente de França, cargo que só manteve entre 2007 e 2012, foi despachado do Eliseu logo no primeiro mandato. Mas o currículo é comprido e pretenderá esticá-lo nas presidenciais de 2017, se a justiça o deixar em paz, como é costume por lá. Afinal de contas, a França é a França.

Tudo começou oficialmente em 2007, na TV, com a pergunta das barbas: um jornalista da France 2 questionou um controverso ministro do Interior se pensava nas presidenciais quando fazia “a barba de manhã”. Sarkozy respondeu: “Não apenas quando faço a barba.” Nesta semana, a magna questão reapareceu. Nicolas passeava-se numa barba de três dias, um intensificador de charme do homem que conquistou Carla Bruni (a esquerda europeia nunca te perdoará, flibusteiro). Detido, interrogado durante 15 horas, arguido e acusado de crimes graves, saiu com uma barba de fazer desmaiar qualquer Marianne de barrete frígio e peito de fora. Mas rapou a barba e, com pele de maçã na cara, correu à televisão. O político “retirado” foi denunciar um complot contra ele:

— É tudo um plano para dar uma imagem de mim que não corresponde à realidade. Gostaria de dizer aos que nos ouvem, ou vêem, que nunca traí a sua confiança.

Para Sarkozy, a acusação é “grotesca”. O mesmo dizem os eleitores do seu partido de direita, o Union pour un Mouvement Populaire (UMP), pelo menos os que sobraram da razia das últimas europeias, quando ficaram atrás da Frente Nacional. O contra-ataque de “Sarko” surpreende pela banalidade, por assim dizer: as duas juízas que acusaram o ex-Presidente agiram por “motivos políticos.” Uahh [bocejo]... inventem melhor, falem com o Isaltino de Oeiras, que ele dá explicações sobre recursos dilatórios e sabe dietas equilibradas em regime penitenciário! Isto no caso de alguém acabar preso no L’Affaire Sarkozy, porque a França é a França.

Nicolas Sarkozy é acusado dos crimes de corrupção, tráfico de influências e violação do segredo de Justiça. Terá prometido um alto cargo a um juiz para este o informar do decorrer de processos. Como dos 50 milhões de euros de financiamento ilegal oferecidos pelo ex-ditador da Líbia, o amigo Kadhafi. Sabendo-se sob escuta, ele e o advogado arranjaram telefones pré-pagos, com nomes falsos, não se lembrando de que a polícia poderia escutar os novos telefones. Uahh [bocejo]... em que escola andou esta malta, falem com o pessoal do Apito Dourado que ao menos esses aprenderam!

A verdade, no entanto, é mais rica do que as histórias que se possam inventar. Sarkozy provou a sua grandeza como chefe de Estado da Pátria da Liberdade, Igualdade, Fraternidade… com excepção para Monsieur le Président. Este poderá fazer as malfeitorias, meter-se em roscambilhas, ter o nível moral de um espancador de velhinhas que ninguém o leva a mal, pelo contrário. Um Presidente de França, quando se trata de honestidade, aplica-se a doutrina “laissez faire, laissez passer”. A famosa excepção francesa.

Temos de começar, no entanto, pela excepção à excepção à regra: o actual locatário, François Hollande, que andava por Paris numa motoreta para ir ter com a amante e foi apanhado e não conseguiu abafar este caso é próprio de um maçarico, não está à altura da ética republicana.

Falamos antes de Jacques Chirac, que depois de financiar-se e de dormir com quem quis, só foi julgado por crimes enquanto presidente da Câmara de Paris. Ou Giscard D’Estaing, amigo do peito do ditador Bokassa I, da República Centro-Africana. Ia a caçadas com o genocida e poderá ter comido carne humana num banquete (sem o saber), além de receber diamantes como prenda. Mas nenhum se iguala ao mestre François Mitterrand, o anjo da esquerda francesa, o homem que ainda faz sonhar os socialistas, apesar de: ter sido da extrema-direita fascista antes de entrar para a Resistência da II Guerra Mundial; esconder e ser amigo até à morte de um colaboracionista pró-nazi que trabalhou na expulsão de judeus; ter defendido a tortura na guerra da Argélia (enquanto ministro da Justiça); ter bombardeado o navio da Greenpeace, Rainbow Warrior, com a morte do activista português Fernando Pereira; ter uma filha ilegítima; ter espiado jornalistas; ter virado costas ao primeiro-ministro e seu amigo Pierre Bérégovoy, que acabaria por se suicidar (1993); ter escondido um cancro durante mais de 20 anos, etc.

Sarkozy vai ter de trabalhar muito para chegar a este patamar. A seu favor, foi ele quem colocou como chefe do FMI o adversário político Dominique Strauss-Khan, um extraordinário exemplo de político-escândalo-sexual que espantou o mundo em Nova Iorque com uma empregada de limpeza. Contra Sarkozy, afastou a França da hipótese de bater todos os recordes com aquele maluco no Eliseu. Talvez o próprio Sarkozy apresente, no currículo, novos escândalos de nível que o façam regressar ao poder.

A esperança é a última a morrer em França. A França é a França.     

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