Bagdad perde controlo de vastas zonas de duas cidades para os jihadistas

O ano que passou foi aquele em que a violência sectária fez mais vítimas desde 2008: 9475 civis mortos.

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Veículos governamentais incendiados em Ramadi AZHAR SHALLAL/AFP

O exército iraquiano combatia esta sexta-feira grupos jihadistas que, no início da semana, ocuparam vastas áreas das cidades de Falluja e Ramadi, na província de Andar (oeste).

De acordo com uma fonte do Ministério do Interior, que prestou declarações à AFP, metade de Falluja está nas mãos do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIL, na sigla inglesa), um grupo da organização terrorista Al-Qaeda, desde quinta-feira. “A outra metade da cidade está sob controlo de tribos armadas”, disse a mesma fonte, confirmando que se combate nas duas cidades.

Em Falluja, os confrontos entre o exército e o ISIL travavam-se nas entradas da cidade. No interior, a troca de tiros era entre o grupo da Al-Qaeda e grupos tribais armados que ocuparam ruas e bairros — em algumas zonas, não se sabe ao certo por que lado combatem.

Em Ramadi, esta sexta-feira, os combatentes islamistas avançaram no terreno, usando atiradores furtivos numa das ruas da cidade, segundo a polícia. Na véspera, a polícia tinha matado dois destes atiradores.

Os combates são sectários e começaram na segunda-feira, quando o primeiro-ministro xiita, Nouri al-Maliki, ordenou o desmantelamento de um acampamento de protesto contra o Governo em Ramadi. Ramadi e Falluja são cidades da província de Anbar, habitada por um maioria sunita, que acusa Maliki de autoritarismo e de marginalizar a população árabe sunita.

O clima de tensão já estava elevado com a detenção, no fim-de-semana, de um deputado sunita apoiante dos protestos contra o Governo dominado pelos xiitas. O irmão do deputado e cinco guarda-costas foram mortos durante a operação de detenção cujos motivos não foram esclarecidos. Fontes da segurança iraquiana contaram à agência Reuters que o deputado Ahmed al-Alwani, membro do bloco Iraqiya, era acusado de “terrorismo”.

Uma fonte policial de Falluja disse às agências noticiosas que o Estado Islâmico do Iraque e do Levante ocupou dez esquadras de polícia e ergueu postos de controlo na zona da cidade que domina. Radicais que estavam presos foram libertados e a BBC relata que o grupo publicou na Internet vídeos em que os jihadistas são vistos a incendiarem veículos governamentais e a gritarem frases contra as autoridades centrais xiitas e o primeiro-ministro.

Em Ramadi, capital da província, o cenário é muito semelhante, havendo, contudo, relatos (BBC) de que aqui alguns grupos armados tribais sunitas estão a combater ao lado do exército. Testemunhas na cidade disseram que, de quinta para sexta-feira, entraram vários camiões na cidade transportando combatentes jihadistas que cantavam canções/orações dedicadas ao ISIL e agitavam bandeiras negras com a profissão de fé do islão. “O nosso Estado é vitorioso”, cantavam.

“Não saímos de casa por causa do que está a acontecer”, disse Abdel Nasser, que vive em Ramadi. “Não temos comida, mas mesmo que conseguíssemos sair de casa para ir a uma loja não iríamos encontrar lá nada”, acrescentou.

Não há quem possa prever qual o desfecho destas investidas jihadistas em Fallujah e Ramadi. O primeiro-ministro chegou a anunciar, na quarta-feira, o envio de reforços para as duas cidades — e oficialmente são as forças especiais do exército que combatem os islamistas e as tribos —, mas a AFP diz que, dentro das cidades, não há tropas à vista. A polícia desapareceu — o Ministério do Interior, num comunicado, ordenou aos agentes que regressem às suas posições e ameaçou os desertores com sanções. “Devem regressar e enfrentar o terrorismo que ameaça o nosso povo em Anbar”, diz o comunicado.

Mas o exército, e sobretudo a polícia iraquiana, são estruturas pouco preparadas para enfrentar estes grupos, sobretudo os jihadistas, mais bem organizados e treinados. E a instabilidade não é localizada, ela existe em todo o território do Iraque, país ocupado pelos Estados Unidos em 2003, depois da queda de Saddam Hussein (um sunita).

A retirada dos últimos soldados americanos, em Dezembro de 2011, e a guerra na Síria galvanizaram os grupos insurrectos e os ataques são cada vez mais frequentes. De acordo com a Iraq Body Count, organização que contabiliza as vítimas civis da violência desde a invasão americana, 2013 foi o ano em que a violência sectária matou mais gente desde 2008: 9475 civis mortos. A situação no terreno agudizou-se agora em Falluja e Ramadi. 

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